Por Amazonas Direito,
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem analisado com frequência os limites entre dois conceitos importantes no direito penal: a chamada fishing expedition (ou “pescaria probatória”) e o encontro fortuito de provas.
A pescaria probatória é uma prática proibida pela legislação brasileira. Trata-se de investigações sem foco, que buscam qualquer tipo de prova de forma genérica, sem objetivo certo. Já o encontro fortuito é quando, no decorrer de uma investigação legal, surgem provas inesperadas de outros crimes — desde que isso aconteça dentro dos limites da legalidade.
Esses conceitos são importantes para garantir que provas não sejam obtidas de forma abusiva e que os direitos individuais sejam respeitados.
Quando a busca vira abuso
No julgamento do HC 663.055, por exemplo, o STJ considerou ilegais as provas encontradas dentro de uma caixa em uma casa. A polícia entrou no local à procura de um fugitivo, mas acabou apreendendo drogas e munição. Para o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, os policiais ultrapassaram o objetivo da busca, agindo de forma especulativa. Segundo ele, isso caracteriza uma pescaria probatória, prática que fere os direitos fundamentais.
Em outro caso, RHC 158.580, a Sexta Turma do STJ entendeu que uma revista pessoal feita apenas com base em “atitude suspeita” também é ilegal. O tribunal reforçou que a abordagem precisa de justificativas claras e objetivas, e não pode ser feita apenas por impressão subjetiva da polícia.
Empresas também podem ser alvo indevido
Em mais um julgamento (RMS 62.562), o STJ determinou a destruição de dados apreendidos em uma empresa, que não era alvo da investigação. A polícia copiou todo o banco de dados da empresa durante operação contra um grupo suspeito de desviar recursos públicos em Poconé (MT), mas sem apresentar qualquer indício de envolvimento da empresa nos crimes. Para o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, essa medida também configurou uma pescaria probatória.
Quando a prova é válida
Por outro lado, o tribunal reconhece situações em que o encontro de provas de outros crimes é válido. Foi o caso do RHC 39.412, em que uma busca autorizada para localizar uma arma levou à apreensão de drogas e munições em um escritório de advocacia. Mesmo que o mandado fosse direcionado a outra pessoa, o STJ considerou que os policiais não poderiam simplesmente ignorar os indícios de crime encontrados no local.
No RHC 157.143, o tribunal também entendeu que a apreensão e análise completa de dados de celulares de advogados investigados por coação de testemunhas era legal. Segundo o relator, ministro Sebastião Reis Junior, não era possível fazer uma triagem imediata do que era ou não relevante. O material sem relação com a investigação deveria ser devolvido após perícia.
Justiça Federal mantém competência por conexão
Outro caso interessante foi o CC 186.111, no qual a Justiça Federal determinou uma busca para investigar tráfico internacional de armas. Durante a operação, foram encontradas armas e munições. Apesar de o juiz federal ter tentado enviar o caso para a Justiça estadual, a ministra Laurita Vaz considerou que havia conexão entre os fatos e manteve o caso na esfera federal, já que as apreensões estavam ligadas ao objetivo inicial da investigação.
Conclusão
As decisões mostram que, embora a polícia possa encontrar provas inesperadas durante investigações, é preciso que essas descobertas ocorram de forma legal e respeitem os direitos fundamentais. O STJ tem reafirmado que não se pode usar mandados genéricos ou suspeitas vagas para justificar buscas abusivas. O encontro fortuito de provas é válido, mas a pescaria probatória não.