Embora nos casos de crime sexual prevaleça a relevância da palavra da vítima, a existência de duas versões, sem outras provas efetivas da prática do estupro, faz com que exista dúvida razoável a recomendar a absolvição do réu.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus de ofício para absolver um homem que foi acusado de estupro e condenado à pena oito anos e dois meses de reclusão.
A acusação foi feita pela companheira do réu, na mesma data dos fatos. Nos dias seguintes, ela fez exames periciais que não trouxeram conclusão sobre o cometimento de violência. A acusação se baseou, portanto, na palavra da vítima.
Em juízo, no entanto, ela desmentiu a versão dada no boletim de ocorrência. A mulher disse que o ato sexual foi consentido e que ameaçou denunciar o réu se ele não reatasse a relação amorosa com ela.
O réu foi absolvido em primeiro grau, mas condenado pelo Tribunal de Justiça do Paraná. A corte considerou que a primeira versão apresentada foi corroborada pelas demais provas, sobretudo testemunhais.
O problema é que as testemunhas arroladas não presenciaram os fatos. São elas a mãe da vítima e os dois policiais militares que a atenderam quando da comunicação da ocorrência, que apenas ouviram a primeira versão, que foi desmentida em juízo depois.
Crime sexual desmentido
Relator do recurso especial na 5ª Turma, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca identificou situação de ilegalidade ao autorizar a concessão de ordem de Habeas Corpus de ofício para absolver o réu. Isso porque tanto a absolvição quanto a posterior condenação se embasaram na palavra contraditória da vítima, que, em juízo, admitiu que a relação sexual foi consentida.
“Assim, embora prevaleça a relevância da palavra da vítima, a existência de duas versões, sem outras provas efetivas da prática do crime de estupro, impede a manutenção da condenação, devendo prevalecer o in dubio pro reo (na dúvida, em favor do réu)”, disse o magistrado.
Em voto-vista, o ministro Ribeiro Dantas destacou que o fato de as testemunhas não terem presenciado o ocorrido cria a situação de ser impossível saber com certeza qual das versões é a verdadeira.
É possível que o estupro tenha acontecido e que a vítima tenha mentido em audiência para proteger o réu, preservando o relacionamento após sua reconciliação. Mas o acórdão recorrido não indica nenhuma prova para justificar essa conclusão.
“O que não se pode fazer, em minha visão, é desconsiderar a prova produzida em contraditório para dar prevalência a um indício extrajudicial — e, ademais, considerá-lo corroborado por testemunhos indiretos que apenas confirmam a existência do depoimento extrajudicial retratado em juízo”, disse ele.
O julgamento também teve voto vista do ministro Joel Ilan Paciornik, que acompanhou a conclusão do relator, assim como fez o ministro Messod Azulay. Ficou vencida a ministra Daniela Teixeira.
AREsp 2.574.658
Fonte: Conjur