O Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu decisão que garantiu a contribuintes, herdeiros de bens após o falecimento de um parente, a isenção de pagamento do ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação) em duplicidade. O tributo já havia sido quitado com o imposto exigido pelo fisco do Amazonas no momento da lavratura da escritura pública em um cartório de Manaus.
Com a decisão, o fisco do Rio Grande do Sul ficou impedido de cobrar novamente o ITCMD sobre os bens imóveis incluídos em sobrepartilha no referido Estado.
A bitributação, ainda que vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, permanece como uma das principais preocupações dos contribuintes, especialmente em questões envolvendo a transmissão de bens causa mortis e doação, por meio do ITCMD. Este fenômeno ocorre quando dois entes federativos, exercendo de forma equivocada ou abusiva suas competências tributárias, exigem impostos sobre os mesmos bens ou direitos. O contribuinte, porém, não está desamparado diante desse tipo de situação.
Decisão do Ministro Dias Toffoli, do STF, em Recurso Extraordinário que envolveu um inventário com bens no Amazonas e no Rio Grande do Sul, exemplifica claramente a importância de se combater a bitributação. Na origem, um mandado de segurança preventiva foi concedido pela Justiça Gaúcha num caso em que o fisco gaúcho tentou tributar bens móveis e direitos já alcançados pelo imposto pago no Amazonas, sob o argumento de que o inventário deveria ter sido realizado no Rio Grande do Sul, domícilio final do falecido.
A tentativa foi devidamente rechaçada pelos tribunais do Rio Grande do Sul, consolidando o entendimento de que a incidência do ITCMD deve respeitar a competência tributária de cada ente público e evitar dupla exigência de imposto sobre os mesmos bens, afastando regra de natureza processual civil, que foi usada pelo Rio Grande do Sul para justificar a intenção de tributar imposto que já havia sido desembolsado pelo contribuinte no Amazonas.
Para os contribuintes que se deparam com situações semelhantes, o mandado de segurança surge como uma ferramenta jurídica eficaz. Esse instrumento permite contestar atos ilegais ou abusivos de autoridades fiscais de maneira célere e com garantia de uma tutela imediata, como liminares que podem suspender a exigência indevida, o que ocorreu no caso concreto, e confirmado pelo STF.
Além disso, a jurisprudência do STF reforça que a cobrança de tributos deve respeitar não apenas as regras de competência estabelecidas pela Constituição e pelo Código Tributário Nacional, mas também os princípios da legalidade, da segurança jurídica e da não-cumulatividade.
O contribuinte deve estar atento a duas questões fundamentais: a) identificar claramente qual ente possui competência para tributar os bens ou direitos em questão; e b) acompanhar com rigor os pagamentos e registros realizados durante o inventário, seja judicial ou extrajudicial. Caso surjam cobranças duplicadas ou abusivas, a busca pelo Poder Judiciário é não apenas um direito, mas também uma forma de promover o respeito ao Estado de Direito.
O caso também destaca a importância de diferenciar a competência jurisdicional (referente ao local onde o inventário é processado) da competência tributária (relacionada ao ente responsável pela cobrança do tributo). A Lei nº 8.935/94, conhecida como Lei dos Cartórios, permite a livre escolha do tabelião de notas para atos extrajudiciais, independentemente do domícilio das partes ou da localização dos bens. Esse dispositivo garante maior flexibilidade ao contribuinte sem comprometer as regras de competência tributária.
Evitar a bitributação não é apenas um direito, mas uma necessidade que fortalece o equilíbrio fiscal e protege o cidadão contra abusos. Aos que enfrentam essa questão, a mensagem é clara: documente-se, informe-se e, quando necessário, recorra ao Judiciário para assegurar o respeito à lei e aos seus direitos.
Entenda o caso
Na ação, os autores relataram que o patrimônio do falecido foi dividido entre a meeira e os herdeiros após o pagamento do imposto devido ao Estado do Amazonas, com a Escritura formalizada em Manaus. Ficou pendente a sobrepartilha de bens imóveis no Rio Grande do Sul. O fisco daquele Estado informou que cobraria o imposto de transmissão causa mortis sobre todos os bens do espólio, argumentando que o inventário deveria ter sido processado no Rio Grande do Sul, com base no artigo 48 do CPC, mesmo já tendo sido tributado os bens móveis e direitos no Amazonas.
O caso foi alvo de um mandado de segurança deferido contra o Fisco do Rio Grande do Sul que foi examinado em Recurso Extraordinário pelo Ministro Dias Toffoli, do STF. Na sentença inicial o magistrado mandou que a Fazenda Pública do Rio Grande do Sul se restringisse à lançar o imposto causa mortis sobre os bens imóveis objeto da sobrepartilha, abstendo-se de tributar os bens móveis e direitos já tributados pelo Estado do Amazonas, ainda que com alíquota de 2%, bem inferior às do fisco gaúcho, fixadas em 6%.
A pretensão dos autores, julgada procedente, girou em torno da ilegalidade da exação do ITCD sobre os bens móveis e direitos inventariados extrajudicialmente no Estado do Amazonas, fundamentando o afastamento do imposto no fato de que a norma prevista no CPC (referente à competência do juízo) aplica-se tão somente aos inventários judiciais.
O magistrado demonstrou ser necessário diferenciar a competência jurisdicional e a competência para a cobrança de um tributo e invocou o artigo o art. 8º da Lei n. 8.935/94 a Lei dos Cartórios, na qual se prevê que é livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.
A sentença foi confirmada em sua integralidade pelo TJRS. Com a decisão a PGE/RS recorreu e defendeu que a Corte Estadual, ao afastar a exigência do ITCMD pelo Estado do Rio Grande do Sul, incidiu em ofensa frontal e direta ao artigo 48 do CPC, que prevê para a exigência do ITCMD incidente sobre a transmissaão de bens móveis que se observe, apenas, o último domicílio do falecido, no caso o Rio Grande do Sul. Além disso, apontou ofensas à constituição federal. No STF o recurso foi inadmitido, com voto de Toffoli.
O Ministro, endossando a posição do Tribunal recorrido, registrou que o art. 8º da Lei nº 8.935/94 prevê, taxativamente, a livre escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio. A tentativa de cobrança pelo fisco do Rio Grande do Sul se constituíria em dupla tributação.
Para o Ministro, a resolução da controvérsia demandaria somente a análise de legislação
infraconstitucional, o que é vedado em sede de Recurso Extraordinário.
ARE 1526514 / RS