O Desembargador João Mauro Bessa, do Tribunal de Justiça do Amazonas, fixou, em julgamento de ação rescisória requerida por C. O. M e outro, contra a Engeco, a procedência de acórdão com trânsito em julgado na Corte de Justiça que afastou a prescrição de cobrança de dívida, reconhecida em desfavor da empresa Ré em primeira instância. Essa prescrição teria sido interrompida, conforme reconheceu a Câmara Cível, quando de julgamento de recurso de apelação da empresa. Manteve-se, desta forma, a consistência do pedido de cobrança contra o pretenso devedor, réu na ação monitória e de então autor na ação rescisória. O julgado, em segunda instância, considerou válido o acórdão que firmou ter ocorrido a interrupção dessa prescrição, ante a circunstância de que o pretenso devedor havia assinado um termo de confissão de dívida em data posterior, mantendo-se a higidez da cobrança.
A rescisória teve como objeto a desconstituição de acórdão proferido pela Primeira Câmara Cível em ação monitória, sob o fundamento de que a Câmara, ao afastar a prescrição da dívida cobrada por meio de ação ajuizada na origem, teria incorrido em violação de norma jurídica, pois desconsiderou a existência de uma confissão de dívida realizada anteriormente.
Na primeira instância, a ação de cobrança foi julgada prescrita considerando-se que a data da celebração do contrato teve registro de 2008, e, o ajuizamento da ação monitória ocorreu em 2018, ultrapassado, em muito o prazo de cinco anos para o ajuizamento dessas cobranças, na forma do código civil, que prevê um prazo de cinco anos para o credor exercer a pretensão de dívidas liquidas constantes de um contrato.
Em segunda instância, como decorrência do julgamento da apelação da empresa, o acórdão considerou, dentre outras circunstâncias, que houve uma causa interruptiva da prescrição, na razão da existência de um termo de reconhecimento de confissão de dívida decorrente de parcelas vencidas, assinado em 2014. A ação rescisória foi ajuizada em 2018, dentro do curso do prazo prescricional de cinco anos.
Na contramão desses fundamentos, os autores, na rescisória sustentam a não observância de um instrumento de confissão de dívida anterior, do ano de 2012, e que este termo corresponderia ao primeiro marco interruptivo da prescrição e não o de 2014, invocando o primado jurídico de que a prescrição somente possa ser interrompida por uma única vez.
O julgado, no entanto, considerou que os marcos interruptivos da prescrição foram corretamente examinados, pois, o contrato de promessa de compra e venda considerou que o pagamento do valor do imóvel seria efetuado em prestações sucessivas e o prazo prescricional teria início na data do vencimento da última parcela, com registro de 2013, além de que esse prazo prescricional, com acerto, fora interrompido em 2014.
Afastou-se a teratologia indicada na ação rescisória com o ditame legal descrito no artigo 199 do Código Civil, no qual se prevê que a prescrição não corre enquanto não estiver vencido o prazo. O instrumento invocado pelos autores, datado de 2012 não se prestaria à contabilidade da prescrição, como requerido, uma vez que o início do prazo prescricional se deu em 2013, na data referente à última parcela a vencer. Antes disso, não estaria correndo a prescrição porque não vencido, ainda, o prazo da prestação pactuada.
Fixou-se como correta a matéria estabelecida no acórdão guerreado, com destaque de que a interrupção da prescrição somente ocorre uma vez por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento de dívida, e este ato correspondeu àquele realizado posteriormente à data do início dessa prescrição quinquenal com o pagamento de parcelas vencidas efetuadas em 2014. Julgou-se improcedente o pedido de desconstituição do acórdão.
Processo nº 4005829-71.2021.8.04.0000
Leia o acórdão:
ÂMARAS REUNIDAS AÇÃO RESCISÓRIA PROCESSO N.º: 4005829-71.2021.8.04.0000. João Mauro Bessa. Revisor: Revisor do processo Não informado AÇÃO RESCISÓRIA – JUSTIÇA GRATUITA – PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DESCONSTITUÍDA – AÇÃO MONITÓRIA – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DA DÍVIDA – INOCORRÊNCIA – MARCO INTERRUPTIVO INVOCADO PELOS AUTORES ANTERIOR AO INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL – INAPLICABILIDADE – AUSÊNCIA DE MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA – AÇÃO IMPROCEDENTE.1. Apesar da alegação de que os autores possuem patrimônio expressivo, essa condição, isoladamente considerada, não é absolutamente incompatível com a declaração de insuficiência de recursos para a concessão da gratuidade de justiça, mesmo porque para esse fi m, “a hipossuficiência deve ter conceito mais elástico, a fi m de que não se frustre o objetivo da norma do inciso LXXIV, do artigo 5º, da Constituição da Republica de 1988, segundo o qual o acesso à Justiça deve ser facilitado a todos” (TJ-MG – AC 10000212695217001, Relator: Fábio Torres de Sousa, Data de Julgamento: 24/02/2022, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 14/03/2022)2. A violação à norma jurídica que autoriza a desconstituição de julgado transitado em julgado, na forma do art. 966, V do CPC, deve corresponder à ofensa manifesta, frontal e direta ao conteúdo da norma, revelado por erro crasso do julgador ou teratologia do julgado que se pretende rescindir. Precedentes.3. In casu, não se verifi ca no julgado erro ou teratologia que implique a rescisão do acórdão, dado que foram observados todos os marcos temporais legalmente previstos para a contagem da prescrição da pretensão de cobrança da dívida. Nesse sentido, considerando que o pagamento da dívida fora avençado na forma de prestações sucessivas, o prazo prescricional, como bem reconhecido no julgado rescindendo, somente teria início com o vencimento da última parcela constante do instrumento (art. 119, II do CC), que foi ajustado para o dia 30.06.2013.4. Daí decorre que o instrumento de confi ssão de dívida datado de 13.12.2012 e invocado pelos autores como marco interruptivo da prescrição não se propõe a essa finalidade, porquanto anterior ao início do prazo prescricional defl agrado a partir do vencimento da última prestação ajustada pelas partes, conforme previsão legal.5. Por outro lado, na linha adotada pelo acórdão rescindendo, aplica-se como marco interruptivo da prescrição o pagamento de parcelas vencidas efetuado em 27.06.2014, que constitui ato inequívoco de reconhecimento do direito do credor pelos devedores e, como tal, provoca a interrupção da prescrição quinquenal, na forma do art. 202, VI, do CC, viabilizando o exercício da pretensão de cobrança mediante a ação monitória ajuizada em 20.12.2018.6. Logo, não há manifesta violação a norma jurídica, revelando-se legítimos e consentâneos com o ordenamento jurídico os fundamentos que sustentam o julgado que se pretende rescindir, que bem observou o termo inicial do prazo prescricional da pretensão de cobrança, assim como o marco interruptivo aplicável, o que conduziu acertadamente à conclusão pela inocorrência da prescrição alegada pelos autores.