O Desembargador Paulo César Caminha negou, em juízo de apelação, a concessão de uso especial para fins de moradia de imóvel de propriedade da Suhab/Am. A autarquia havia ajuizado a retomada do imóvel que os autores Núbia Silva e outro detinham, na condição de boa fé, pois o haviam negociado com o primeiro adquirente, sem a anuência da autarquia, por meio de contrato de gaveta. Ocorre que a ação contra o primeiro mutuário já havia sido julgada procedente, com a declaração da constrição do bem imóvel, vindo os interessados a pedir o uso especial, sendo reconhecido, entretanto, os direitos da credora hipotecária, a Suhab, como firmado em primeiro instância.
O pedido dos autores foi realizado na forma da Media Provisória nº 2.220/2001, onde se prevê que “aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o, para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural’.
Em primeiro grau o juízo registrou que não se poderia afastar a constrição e determinar a concessão para uso especial do bem em benefício dos autores, porque não se poderia convalidar as práticas eivadas de nulidade de toda a cadeia de posse que começou com o mutuário original e passou por mais duas pessoas antes de chegar aos Requerentes.
Firmou, ainda, que a parte, de boa-fé, no caso a autora, poderia tentar resolver administrativamente a questão junto a Suhab ou mesmo buscar seus direitos em ação diversa a ser intentada contra quem diretamente a lesou, mas não contra a Suhab que foi também lesada e viu o imóvel passar por outras mãos sem seu conhecimento.
A medida provisória que serviu de base ao pedido dos autores determina que “o título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial”.
Os autores não deram prova do pedido administrativo, como registrou o julgado, de modo que estaria impedido o requerimento diretamente pela via judicial, uma vez que os pressupostos da norma devam ser obedecidos. Outros requisitos devam ser cumpridos, como relata a decisão, nos termos do artigo 6º,§ 2º, da aludida Medida Provisória. Posteriormente, os interessados obtiveram a concessão pela via administrativa, como determina a norma.
Processo nº 0625157-71.2019.8.04.0001
Leia o acórdão:
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL – MANAUS/AM PROCESSO N.º 0625157-71.2019.8.04.0001 APELANTE: NUBIA GOMES. E M E N T A PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. CESSÃO DE DIREITOS SOBRE IMÓVEL FINANCIADO PELA SUHAB. CONTRATO DE GAVETA. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA DA SUPERINTENDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO AQUISITIVO HÍGIDO. DIREITO DE PERMANECER NA POSSE DO BEM NÃO EVIDENCIADO. CONCESSÃO ESPECIAL DE USO PARA FINS DE MORADIA. INAPLICABILIDADE DA MP 2.220/2001. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Embora os autores/apelantes afirmem terem a posse mansa e pacífica do bem desde a celebração de contrato de compra e venda firmado com o último possuidor, não traz em argumento suficiente para afastar o direito da titular do domínio (Suhab) de exercer a posse direta sobre o imóvel, de acordo com o que foi reconhecido na Ação de Rescisão Contratual cumulada com Retomada de Imóvel e Imissão de Posse n.º 0225137-34.2008.8.04.0001 ajuizada contra o ex-mutuário;
2. As sucessivas compras e vendas realizadas não tiveram a anuência e a participação
da credora hipotecária para que os negócios jurídicos celebrados repercutissem na
esfera jurídica dos compradores, não sendo possível verificar a existência de justo título
jurídico decorrente de tais operações. 3. Conquanto reconhecidamente relevantes os argumentos expostos na petição inicial e na peça recursal, amparados na MP 2.220/2001 e no princípio da dignidade humana, deve-se registrar que o direito social à moradia, previsto no art. 6.º, caput, da CF, não tem caráter absoluto. Além disso, o direito aplicado à hipótese dos autos é o de propriedade, que também encontra proteção constitucional. Ora, o direito à moradia não pode servir como respaldo para a manutenção da posse precária, tampouco para acobertar o descumprimento do Termo de Cessão Provisória Especial de Uso para Fins de Moradia decorrente do programa habitacional, que, em sua Cláusula Nona, vedava a transferência do imóvel pelo mutuário, sob pena de obstar o direito creditício da Suhab de reaver o bem e de embaraçar o legítimo exercício que a lei outorga ao titular do domínio; 4. O pretenso direito dos autores/apelantes de obterem a outorga de uso de bem estatal não pode ser perseguido por via transversa, de modo a convalidar a nulidade existente em toda a cadeia de posse ocorrida à revelia dos termos de cessão condicionados à anuência da Suhab; 5. Apelação desprovida.