É direito da fornecedora de energia elétrica compensar perdas na arrecadação motivadas por desvios de consumidores, porém se vincula a procedimento regular, disposto inclusive em ato da Agência Nacional de Energia Elétrica. O não atendimento a requisitos implica na possibilidade de o usuário pedir e obter, via judiciário, a declaração de invalidez das cobranças por não restarem amparadas em ritos que atendam, inclusive, à obrigatoriedade de que o consumidor tenha exercido a oportunidade de se defender da imputação de estar praticando um consumo ilícito.
Na hipótese examinada pelo Juíz Manuel Amaro, da 20ª Vara Cível, com sentença confirmada pelo Desembargador Paulo César Caminha e Lima, do TJAM, a concessionária aplicou uma recuperação de consumo ao usuário, de forma unilateral, com cobrança de mais de R$ 8 mil, a título de compensação por consumo desviado, sem que, chamada ao processo, houvesse conseguido demonstrar a causa da compensação, isto porque não conseguiu provar o alegado defeito do relógio de medição.
Após uma inspeção avulsa da concessionária, como narrou o autor, o medidor foi trocado por outro, sob o argumento de haver sido violado. Essa troca não foi acompanhada pelo consumidor que sequer tomou conhecimento da ‘inspeção’. Ainda assim, foi instaurado um termo contra o usuário, que combateu a medida administrativamente, mas teve o recurso negado.
Ante essas circunstâncias, o juízo recorrido considerou que “o Termo de Ocorrência e Inspeção em nada isenta a responsabilidade da concessionária de justificar a inconsistência das cobranças realizadas”. Dispôs o Juiz que “não custa rememorar que a imposição de débitos baseando-se exclusivamente em vistoria realizada unilateralmente é inválida, já que afronta os direitos de contraditório e ampla defesa do consumidor, especialmente porque a concessionária tem poderio técnico e financeiro superior ao usuário”.
A cobrança foi anulada, mas não se atendeu no caso ao pedido de danos morais. Não houve negativação do usuário no sistema de proteção ao crédito. Na segunda instância se avaliou que a inspeção realizada pela concessionária de serviço público deve ser precedida de notificação de modo a permitir que o consumidor se faça acompanhar de profissional com conhecimentos técnicos necessários, o que não ocorreu na hipótese dos autos.
“A apuração de suposta irregularidade em medidor de energia elétrica e fraude no consumo deve ser feita em obediência à Resolução nº 414/2010 da Aneel, sob pena de nulidade. In casu, tendo a apuração sido feita à revelia deste ato normativo, contrariando consequentemente os princípios do contraditório e da ampla defesa, imperiosa a declaração de sua nulidade”.
Leia a ementa:
APELAÇÃO CÍVEL – MANAUS/AMPROCESSO N.º 0759034-3.2020.8.04.0001APELANTE: AMAZONAS DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. ENERGIA ELÉTRICA.CONCESSIONÁRIA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE PROVAR O ALEGADO ERRO NO REGISTRO DE CONSUMO E DESVIO DE ENERGIA ELÉTRICA. APURAÇÃO UNILATERAL DAS SUPOSTAS IRREGULARIDADES. NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DA RESOLUÇÃO Nº 414/2010 ANEEL. DECLARAÇÃO DE INEXISTÉNCIA DO DÉBITO COBRADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO