Com falhas em reconhecimento pessoal, justiça absolve acusados de roubo

Com falhas em reconhecimento pessoal, justiça absolve acusados de roubo

Por entender que um recurso de apelação ajuizado pelo Defensor Público Murilo Rodrigues Breda ofertou razões suficientes para anular a condenação contra dois assistidos, a Corte de Justiça do Amazonas desfez uma sentença que se utilizou como prova de autoria dos crimes, apenas, do reconhecimento dos réus por meio de fotografia. Segunda a Relatora, Vânia Maria Marques Marinho, o reconhecimento efetuado no curso do procedimento não esteve em harmonia com as formalidades dispostas no Código de Processo Penal. 

Na origem os dois acusados foram julgados incursos nas penas do crime de roubo. Jander Nascimento foi condenado à pena de sete anos e seis meses de reclusão, enquanto o segundo acusado, Andres Ordonez, também condenado, sofreu pena de seis anos e três meses de reclusão. 

O Defensor Público havia levantado a tese de insuficiência de provas, e pediu a nulidade de reconhecimento dos acusados, por entender que houve agressão aos ditames insculpidos no artigo 226 do CPP. Porém, por meio de sentença da Juíza Bárbara Marinho Nogueira,  entendeu que a palavra da vítima dispunha de especial relevância probatória nas circunstâncias, e  julgou procedente o pedido da pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público. 

Em segunda instância foi observado que quanto ao reconhecimento dos réus, os policiais somente mostraram os vídeos do assalto à pessoa da vítima, não ocorrendo qualquer outro procedimento na Delegacia ou durante a instrução processual sob o crivo do contraditório. Com a apresentação de três fotos dos suspeitos, por semelhança, a vítima fez a confirmação, e apenas de um dos assaltantes. 

Sem mais outras provas, e por se entender que o reconhecimento pessoal dos suspeitos não se deu consoante as recomendações do Superior Tribunal de Justiça, que em precedentes  fixa premissas para o procedimento desses atos, a Corte de Justiça do Amazonas anulou as condenações. 

Leia o Acórdão:

Processo nº 0000356-39.2017.8.04.7300

Classe/Assunto: Apelação Criminal / Roubo Relator(a): Vânia Maria Marques Marinho Comarca: Tabatinga Órgão julgador: Primeira Câmara Criminal Data do julgamento: 16/07/2023 Data de publicação16/07/2023 PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. PRELIMINAR. NULIDADE PROCESSUAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DE RECONHECIMENTO DE PESSOAS DO ART. 226 DO CPP. ACOLHIMENTO. MERO RECONHECIMENTO DOS AUTORES POR VÍDEO OU FOTOGRAFIA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO COMO ELEMENTO DE PROVA QUANDO NÃO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO PESSOAL. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE NÃO TENHAM SIDO MACULADOS PELA ILEGALIDADE. APLICAÇÃO DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NECESSÁRIA ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Sabe-se que o reconhecimento de pessoas, presencialmente ou por fotografia, só pode ser utilizado para identificar o réu e comprovar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, em cumprimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. 2. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus n.º 598.886/SC, de Relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, realizado em 27/10/2020, fixou algumas premissas acerca do dito procedimento, sendo elas: I) que a inobservância do art. 226 do CPP invalida o reconhecimento da pessoa suspeita, não servindo como elemento probatório para fundamentar eventual condenação, mesmo se confirmado em juízo; II) que o reconhecimento do agente pode ser realizado em Juízo, desde que cumprido o procedimento probatório; III) que o convencimento do Magistrado sobre a autoria delitiva pode se fundamentar em outras provas que não tenham sido maculadas pela ilegalidade do procedimento realizado e; IV) que o reconhecimento do sujeito por fotografias ocorra antes da realização do procedimento de reconhecimento pessoal, caso contrário, não pode ser utilizado como prova em ação penal, ainda que confirmado em Juízo. 3. In casu, verifica-se que os policiais militares levaram a vítima até o Hotel Maylu – local onde ocorreu o crime de roubo – para que olhasse as imagens das câmeras de segurança e confirmasse se os Apelantes eram, de fato, os autores do delito. Assim, após terem sido identificados naquela ocasião, a vítima realizou, em Delegacia, o reconhecimento fotográfico somente com relação ao primeiro Apelante, sendo-lhe mostradas três fotos da mesma pessoa. Em Juízo, ao ser questionada pela Defesa e pelo Ministério Público sobre como ocorreu o reconhecimento do réu, a vítima foi clara em dizer que o único reconhecimento realizado foi o momento em que os policiais mostraram os vídeos do assalto, não ocorrendo qualquer outro procedimento em Delegacia ou durante a instrução processual sob o crivo do contraditório. Diante disso, denota-se que a Autoridade Policial se limitou a apresentar à vítima um vídeo para que reconhecesse os possíveis autores, sendo que, após terem sido presos, não foi realizado nenhum procedimento de reconhecimento pessoal com relação ao segundo réu, ao passo que, quanto ao primeiro, foram apresentadas três fotos dele, em total desrespeito ao estabelecido no art. 226 da Lei Processual Penal, pois deveria ter sido colocado ao lado de outras pessoas que com ele tivessem alguma semelhança para que a vítima pudesse, de fato, apontar e confirmar a autoria. 4. Destaca-se que, embora que o Relatório de Investigação aponte sobre um possível reconhecimento pessoal realizado pela genitora do primeiro réu, em seu depoimento prestado em Juízo, esta negou que tenha reconhecido o filho, dizendo, ainda, que não lhe foi apresentado nenhum vídeo acerca do momento em que o delito ocorreu, não ratificando, portanto, os termos do Relatório realizado durante o Inquérito Policial. 5. Ainda, sobressai-se que o segundo Apelante, ao confessar extrajudicialmente a prática do delito, disse que cometeu o crime na companhia de uma pessoa chamada “João“, conhecido como “Chicória”, não fazendo menção ao nome do corréu. Oportuno realçar que o segundo Apelante foi considerado revel, não ratificando a sua confissão extrajudicial, evidenciando tratar-se de um ato processual isolado e não corroborado por outros elementos de provas produzidos em Juízo. 6. Logo, além de o reconhecimento fotográfico não poder ser utilizado como elemento de prova idôneo a evidenciar a autoria do crime, nos termos da jurisprudência dominante da Colenda Corte Cidadã – uma vez que não foi realizado, posteriormente, o procedimento de reconhecimento pessoal nos moldes do art. 226 do Código de Processo Penal –, não constam nos autos quaisquer outros elementos probatórios lícitos – não maculado pela dita ilegalidade – capazes de sustentar a condenação dos Apelantes, amoldando-se o caso à teoria dos frutos da árvore envenenada, na forma do art. 157, § 1.º do CPP. Por conseguinte, imperiosa a absolvição dos réus, na forma do art. 386, inciso V, do CPP, diante da total ausência de provas lícitas da autoria do crime em comento. 7. Apelações Criminais conhecidas e providas

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