O conselheiro Pablo Coutinho Barreto, do Conselho Nacional de Justiça, manteve na pauta do Plenário virtual um recurso sobre o registro de prática de infração funcional grave por parte de um oficial cartorário, já aposentado, que tem doença de Alzheimer. A decisão foi tomada 30 minutos após o protocolo da petição, no início deste mês de fevereiro.
A filha e curadora do cartorário pretendia levar a análise do caso para uma sessão presencial. Ela alegava que isso lhe daria “plena oportunidade de expor seus argumentos” contra a sanção imposta.
Segundo ela, a questão é de alta complexidade e relevância, o que demandaria um debate “de forma síncrona”, para que a análise fosse aprofundada.
Mas Barreto não viu “qualquer particularidade” que justificasse a retirada do recurso da pauta virtual. O conselheiro explicou que o julgamento feito desta forma busca garantir “a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação”, sem violar o direito da parte de apresentar seus argumentos.
Ele ainda apontou que, conforme o Regimento Interno do CNJ, não é possível fazer sustentação oral em recursos administrativos.
Histórico
O homem de 78 anos era oficial cartorário desde 1992. Ele atuava no 2º Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelionato de Protestos de Letras e Títulos de Catanduva (SP).
Em 2023, ele passou a enfrentar um processo administrativo. Segundo a denúncia, ele teria deixado de comparecer ao cartório e delegado funções de seu cargo à sua filha, oficial substituta, pelo menos desde 2019.
O juiz Lucas Figueiredo Alves da Silva, da 1ª Vara Cível de Catanduva, suspendeu as atividades do oficial e determinou que metade de sua renda líquida fosse depositada em uma conta bancária especial.
A punição máxima era a perda do cargo. Mas o cartorário já havia se aposentado em 2024. Isso porque, desde 2014, ele estava, sem saber, com a doença de Alzheimer, que se manifesta aos poucos e avançou ao longo do processo administrativo.
Mesmo assim, o juiz prosseguiu com o processo devido ao impacto financeiro da decisão. Caso fosse absolvido, o cartorário receberia a metade da sua renda que estava depositada na conta especial. Com a condenação, o valor foi entregue ao interventor no cartório, indicado pelo magistrado.
Em junho do último ano, Alves da Silva condenou o homem por “inassiduidade e subdelegação dos serviços”, determinou a perda do posto que já estava vago e ordenou que ficasse registrada a prática de infração funcional grave.
A filha recorreu contra esta última determinação. Ela argumentou que uma pessoa incapaz é inimputável e, portanto, não comete infrações.
A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo manteve a decisão, por entender que o oficial não comunicou sua doença ao órgão e não comprovou sua incapacidade à época das acusações — ou seja, não apresentou documento médico referente ao período entre 2014 e 2023.
A decisão da Corregedoria destacou que a incapacidade civil do cartorário só foi constatada pela perícia em 2023. Além disso, em 2021, ele renovou sua carteira nacional de habilitação, o que não seria possível para alguém com demência em grau avançado.
Em novo recurso, desta vez ao CNJ, a filha, representada pelo escritório Tourinho Leal Drummond de Andrade Advocacia, reforçou que uma pessoa diagnosticada com Alzheimer não poderia ser considerada culpada por atos administrativos.
A defesa ainda ressaltou que o Estatuto do Idoso exige participação do Ministério Público no processo, o que não ocorreu.
Em dezembro de 2024, Barreto, relator do caso no CNJ, manteve a decisão da Corregedoria paulista. De acordo com ele, o Estatuto do Idoso prevê a atuação do MP somente em prol de pessoas idosas em situação de risco. Para o conselheiro, não ficou comprovado que o oficial estava nestas condições.
“Não se verifica ter havido flagrante ilegalidade na decisão questionada que justifique a atuação do Conselho Nacional de Justiça, que, nos termos de sua firme jurisprudência, intervirá apenas excepcionalmente diante de questões de interesse geral”, assinalou.
A filha recorreu ao Plenário do CNJ. A última decisão deste mês garantiu que esse recurso será julgado em sessão virtual.Processo 0008083-92.2024.2.00.0000