Não soa razoável exigir-se que o administrado realize uma investigação prévia, para apurar, antecipadamente, qual ente político supostamente faltou com o dever de zelar pela saúde do cidadão; qual ente tinha competência para legislar ou repassar recursos e não o fez; ou qual possuía competência para executar e se omitiu. O administrado não deve suportar o ônus da inoperância do Estado, dispôs Jaiza Maria Pinto Fraxe, em decisão que concedeu a tutela de urgência para tratamento de saúde. A União recorreu.
A União ingressou com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), solicitando a anulação de decisão da Justiça Federal em Manaus que a responsabilizou solidariamente com o Estado do Amazonas e o Município de Manaus pela realização de um procedimento cirúrgico vascular (cateterismo cardíaco) necessário ao tratamento de um paciente.
A decisão de primeira instância determinou que o procedimento fosse custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como fundamento a responsabilidade solidária dos entes públicos.
No recurso, a União argumenta que não possui responsabilidade direta pela execução dos serviços de saúde, a qual recai, de acordo com a Constituição Federal e a Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde), sobre os Estados e Municípios.
A União ressalta que seu papel é limitado à formulação de políticas públicas e ao repasse de recursos financeiros, sem ingerência direta ou hierárquica sobre os demais entes federados. Hospitais vinculados a universidades ou fundações autárquicas federais, por sua vez, não fazem parte da administração direta, estando sob supervisão ministerial, e não sob controle da União.
Por outro lado, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, responsável pela decisão contestada, sustentou que a responsabilidade pela prestação de serviços de saúde é solidária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme estabelecido na Constituição Federal.
A magistrada argumentou que a Constituição não distingue qual seria a parte de cada ente público na prestação do serviço, devendo todos ser responsáveis integralmente pelo cumprimento do dever de zelar pela saúde dos cidadãos.
Segundo a juíza, é possível que qualquer dos entes públicos seja acionado judicialmente, individual ou conjuntamente, para garantir a realização de tratamentos de saúde necessários. Eventuais ajustes internos entre União, Estados e Municípios para a compensação de gastos não podem ser transferidos ao cidadão, que paga seus impostos e tem direito ao atendimento.
Fraxe destacou ainda que a Lei nº 8.080/1990, em seus artigos 9º e 15-18, não exime a União da responsabilidade solidária, e que a interpretação dos verbos mencionados no artigo 16 da mesma lei – como formular, coordenar e fiscalizar – indica uma atuação mais ampla do que meramente normatizar e repassar recursos. Para a magistrada, a União deve ser responsabilizada pela execução dos procedimentos necessários ao restabelecimento da saúde dos cidadãos.
O TRF1 deverá decidir sobre o recurso, que pode impactar a forma como os entes federados se organizam e repartem responsabilidades no âmbito do SUS, especialmente em casos de judicialização da saúde.
Processo n. 1035760-85.2024.4.01.0000