Segundo a decisão, no exame de um pedido de um militar para a conversão de licença-prêmio em pecúnia, é dever da Administração Pública comprovar que o servidor usufruiu da licença ou de outros afastamentos, não sendo razoável se exigir que o funcionário apresente prova negativa. Caso contrário, seria adotar a imposição de prova diabólica, o que é inadmissível.
Em julgamento realizado no dia 17 de outubro de 2024, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), sob a relatoria do Desembargador Abraham Peixoto Campos Filho, decidiu, por maioria, manter o direito de um policial militar reformado à conversão em pecúnia de férias e licenças especiais não usufruídas, afastando a aplicabilidade da Medida Provisória n.º 2.215-10/2001 aos militares estaduais.
A decisão é resultado da análise de apelação interposta pelo Estado do Amazonas, que buscava reverter a sentença favorável ao militar.
A apelação cível trouxe à discussão três pontos principais: (i) o direito do militar à conversão em pecúnia de férias e licenças não usufruídas; (ii) a aplicabilidade da Medida Provisória n.º 2.215-10/2001, que altera os direitos de militares das Forças Armadas, aos militares estaduais; e (iii) o ônus probatório quanto à comprovação da consistência dos benefícios reclamados.
O Estado argumentou que a Medida Provisória deveria ser aplicada também aos militares estaduais, o que excluiria o direito à conversão em pecúnia das férias e licenças não gozadas. Além disso, sustentou que o militar não teria sido comprovado a fruição do tempo sobre o qual requereu a conversão em pecúnia.
O relator, Desembargador Abraham Peixoto Campos Filho, em seu voto, enfatizou que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente no ARE 721.001/RJ, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, estabelece que a Administração Pública não pode enriquecer-se sem causa ao não compensar os servidores por direitos adquiridos e não usufruídos. Com base nesse entendimento, o Tribunal concluiu que o direito à conversão em pecúnia é garantido como forma de evitar o enriquecimento indevido da administração pública.
No que tange à aplicabilidade da MP n.º 2.215-10/2001, o relator destacou que os arts. 42, § 1.º, e 142, § 3.º, X, da Constituição Federal de 1988 garantem às unidades federativas a autonomia para legislar sobre os direitos dos seus militares. A Medida Provisória, portanto, não se aplica aos militares estaduais, sendo regidos legislação por própria, afastando o argumento apresentado pelo Estado do Amazonas.
Outro ponto relevante foi a análise do ônus da prova. Segundo o relator, é dever da Administração Pública comprovar que os militares usufruíram das férias e licenças, não sendo razoável exigir que o servidor apresente prova negativa. Nesse sentido, o Estado não apresentou qualquer documentação que comprovasse a ausência do direito aos benefícios, o que levou ao reconhecimento da procedência da ação do militar.
Em relação aos honorários advocatícios, o relator esclareceu que a sentença, por ser ilíquida, ou seja, por não definir o valor exato a ser pago pela conversão em pecúnia, determina que os honorários fixados sejam fixados apenas na fase de liquidação, conforme o art. 85, § 4.º, II, do Código de Processo Civil.
Desta forma, o Tribunal de Justiça, ao final, deu provimento parcial ao recurso do Estado, apenas para ajustar a forma de fixação dos honorários advocatícios, mantendo, contudo, o direito do policial militar reformado à conversão em pecúnia das férias e licenças especiais não usufruídas. A decisão de reforçar a autonomia dos estados na regulação dos direitos de seus militares segue o entendimento consolidado pela Suprema Corte em relação à vedação do enriquecimento ilícito.
Processo n. 0660235-58.2021.8.04.0001