Por entender que a empresa de transporte urbano não poderia prever o crime cometido por uma passageira contra um motorista, a Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) reformou sentença da 1ª Vara do Trabalho de Anápolis (GO) para excluir a condenação da empresa ao pagamento das verbas relativas à estabilidade provisória previdenciária e a reparação por danos morais. O relator, juiz convocado César Silveira, entendeu que o caso fortuito externo, fato imprevisível e inevitável, sem ligação com a atividade laboral, rompe com o nexo de causalidade entre a doença e o trabalho. O desembargador Elvecio Moura dos Santos divergiu do relator para manter a condenação da empresa.
O caso
Em setembro de 2021, o motorista estava trabalhando quando uma passageira entrou no ônibus parado no terminal urbano e jogou álcool nele e em um colega de trabalho, e ateou fogo. Neste instante, ele pulou a catraca para segurar a passageira, não sofrendo queimaduras. Entretanto, o colega atingido sofreu queimaduras de terceiro grau e não sobreviveu.
O motorista entrou com uma ação na Justiça do Trabalho alegando estresse pós-traumático. Explicou que passou a sofrer ataques de pânico, especialmente quando a água cai perto de si ou quando avista fogo. Pediu o reconhecimento da estabilidade provisória previdenciária, os pagamentos respectivos e a reparação por danos morais.
O juízo de primeiro grau reconheceu o direito do trabalhador à estabilidade provisória no emprego, por entender que ele passava por estresse pós-traumático relacionado ao trabalho, com direito a receber as verbas reflexas. A empresa de transportes também foi condenada a reparar o motorista por danos morais decorrentes do trauma, indenização arbitrada em R$10 mil.
A empresa recorreu. Sustentou que o crime foi cometido contra outro empregado, colega de trabalho do motorista, e que ele não foi atingido pelo crime. Alegou que a sentença e o laudo pericial foram realizados apenas com os argumentos do autor, não sendo acompanhados de provas ou laudo médico oficial. Pediu a reforma da sentença.
O relator analisou as provas nos autos e ressaltou que o trabalhador apresentou quadro compatível com estado de ‘stress’ pós-traumático, desenvolvido em relação ao trabalho, por ter presenciado o ato criminoso praticado por terceiro contra seu colega de trabalho em ônibus da empresa. César Silveira explicou que embora a atividade de motorista de transporte coletivo envolva riscos capazes de gerarem a responsabilidade objetiva do empregador, no caso dos autos, o crime presenciado pelo empregado não possui relação com os riscos inerentes à sua atividade.
“O homicídio cometido por terceiro trata-se de fato imprevisível e inevitável alheio às atividades da empresa”, pontuou ao explicar que o caso fortuito externo rompe efetivamente com o nexo de causalidade. O magistrado citou a Súmula nº 479 do STJ, para diferenciar caso fortuito interno do caso fortuito externo, sendo que o primeiro se relaciona com os riscos da atividade e gera responsabilidade objetiva pelos danos, ao passo que o segundo se revela estranho às atividades. Citou precedente do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Em relação à estabilidade acidentária, César Silveira aplicou a Súmula 378, II do TST, que elenca os requisitos da estabilidade. O relator excluiu a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais e negou o direito à estabilidade provisória do empregado e o pagamento das verbas reflexas.
Divergência
O desembargador Elvecio Moura dos Santos divergiu do relator para manter a condenação da empresa na íntegra. Ele entendeu que o juízo de origem analisou corretamente o caso, havendo existência de nexo causal direto entre o transtorno de estresse pós-traumático do motorista e o ato de violência praticado no ônibus.
Processo: 0010209-77.2022.5.18.0051
Com informações do TRT-18