Caso originado no interior do Amazonas leva à afetação do Tema 1326, com impacto para municípios de todo o país. STJ vai decidir em repetitivo se cobrança de diferenças do FUNDEF prescreve mês a mês ou anualmente. A União sustenta que os repasses do FUNDEF/FUNDEB — baseados no Valor Mínimo Anual por Aluno (VMAA) — têm caráter anual, e, por isso, o prazo prescricional deveria ser contado por exercício anual, não mês a mês.
Com isso, a União busca reduzir a quantidade de parcelas que podem ser cobradas judicialmente, bloqueando ações que envolvam repasses de exercícios mais antigos, mesmo que parcialmente dentro do quinquênio anterior à propositura da ação.
Em sentido diverso, o Município de Eirunepé, no Amazonas, alega subfinanciamento da educação básica em razão de repasses federais menores do que os devidos, o que pode, se adotado o mesmo raciocínio por outros municípios e a tese for aceita, gerar impacto bilionário para os cofres públicos.
Os detalhes
Com voto do Ministro Teodoro Silva Santos, o STJ, por sua Primeira Seção, decidiu afetar ao rito dos recursos repetitivos o julgamento sobre o prazo prescricional aplicável às ações judiciais que visam à cobrança de diferenças na complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEF/FUNDEB), com base no Valor Mínimo Anual por Aluno (VMAA).
O debate se originou em ação ajuizada pelo Município de Eirunepé, localizado no interior do Amazonas, que buscava o recebimento de valores não repassados corretamente pela União entre os anos de 2004 e 2006. O caso ascendeu à Primeira Seção do STJ por meio do Recurso Especial 2.154.735/AM, e deu origem ao Tema Repetitivo 1326.
O Tribunal pretende uniformizar a seguinte controvérsia jurídica: “Definir se o prazo prescricional da pretensão de cobrança de complementação de recursos relativos ao VMAA, repassado ao FUNDEF/FUNDEB, deve ser apurado mês a mês, e não anualmente.”
Com a afetação, o STJ também determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratem da mesma matéria, nos quais haja recurso especial ou agravo em recurso especial em trâmite nas instâncias inferiores ou no próprio STJ.
União questionou forma de cálculo e alegou prescrição trienal
Na apelação interposta contra a sentença que acolheu o pedido do Município, a União sustentou diversos fundamentos, entre eles: que o repasse do VMAA foi feito de forma correta, considerando a estrutura contábil estadual do FUNDEF; que não haveria fundo único nacional, mas 27 fundos estaduais, com base na Lei 9.424/1996 e na EC 14/1996.
Defende que a complementação só seria devida nos Estados onde o valor por aluno fosse inferior ao mínimo nacional fixado por decreto;e que a prescrição aplicável ao caso seria trienal, com base no art. 206, §3º, V, do Código Civil, por se tratar de eventual responsabilidade civil ou enriquecimento sem causa da União.
Contudo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação nesse ponto, reconhecendo o entendimento de que se trata de relação de trato sucessivo, aplicando-se a prescrição quinquenal, computada mês a mês, conforme precedentes do STJ (AgInt nos EDcl no REsp 1.944.138/MA).
Correção monetária e juros também foram ajustados conforme decisão do STF
Outro ponto relevante na decisão do TRF1 foi o ajuste da correção monetária e dos juros de mora, em conformidade com a tese fixada no Tema 810 do STF, oriundo do julgamento do RE 870.947/SE. Nesse julgamento, a Corte declarou inconstitucional a aplicação da TR como índice de correção monetária e fixou que, para obrigações de natureza não tributária, os juros da caderneta de poupança são constitucionais após a vigência da Lei 11.960/2009.
Esse ajuste foi confirmado pela Vice-Presidência do TRF1, que julgou prejudicado o Recurso Especial da União quanto aos juros e à correção monetária, mantendo a decisão conforme a jurisprudência do STF.
Decisão do STJ pode impactar milhares de ações judiciais
Com a afetação do Tema 1326, a decisão do STJ deverá uniformizar a aplicação do prazo prescricional em ações semelhantes, que se multiplicaram em todo o país ao longo dos últimos anos. Municípios e estados alegam subfinanciamento da educação básica em razão de repasses federais menores do que os devidos, o que pode gerar impacto bilionário para os cofres públicos.
A tese a ser fixada pelo STJ terá efeito vinculante para todas as instâncias, conforme o art. 927, III, do Código de Processo Civil, e poderá definir, por exemplo, quais parcelas ainda podem ser cobradas judicialmente, e quais já estariam prescritas.
Na origem, o Município de Eirunepé, no Amazonas, defendeu que, ao transferir os fundos do antigo FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, a União Federal elaborou cálculos de forma equivocada desde o ano de 1998, assim, não foi repassado de forma correta os valores a que têm direito os municípios integrantes da Federação de acordo com o art. 6°, da Lei Federal n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996, uma vez que os repasses sempre estiveram aquém do que efetivamente deveria ocorrer.
REsp 2154735/AM
0004203-28.2009.4.01.3200