O fornecimento de água é serviço essencial e, por essa razão, não pode ser negado pelo Poder Público, seja diretamente ou por meio de empresa concessionária. Em respeito ao princípio constitucional da dignidade humana, esse abastecimento deve ser garantido mesmo se for em área de preservação ambiental.
Desse modo decidiu a 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao negar provimento ao recurso de apelação interposto pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) contra sentença, da 2ª Vara de Peruíbe, que a condenou à obrigação de realizar a instalação de água em uma residência em área de preservação no Balneário Garça Vermelha-Guaraú.
“O fato de o imóvel estar situado em área de preservação permanente ou irregular não legitima a recusa da concessionária em prestar o serviço, até porque as questões relativas à irregularidade do lote, afetas ao poder de polícia da Administração Pública, não podem ser empecilhos para que a interessada usufrua de bem considerado absolutamente indispensável à saúde e à vida digna”, justificou o desembargador relator Paulo Ayrosa.
A ação de obrigação de fazer foi ajuizada contra a Sabesp e o município de Peruíbe pela dona de uma casa sem rede de fornecimento de água e coleta de esgoto. Segundo a autora, embora não tenha acesso a esses serviços básicos, ela reside há mais de quatro anos no imóvel, que conta com energia elétrica e registro na Prefeitura, que emite regularmente carnê para pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
TAC não basta
Apenas a concessionária recorreu da sentença. Ela sustentou que a autora deveria fornecer documentos comprobatórios de prévia apreciação da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) a respeito da regularidade ambiental do imóvel, em razão de a construção estar localizada em área de preservação.
A Sabesp argumentou que novas ligações de água foram proibidas na área, tanto pela municipalidade em 2016, quanto em decorrência de Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público de São Paulo e a Prefeitura de Peruíbe. Conforme o TAC, seria permitida apenas a manutenção da rede de água já existente. A concessionária ainda ponderou que a autora deveria, ao menos, preencher os requisitos técnicos para a instalação pretendida, pois existe inquérito civil sobre o tema em andamento.
De acordo com Ayrosa, apesar de o TAC impedir novas ligações de água e energia elétrica na região onde fica o imóvel da autora, “fato é que o fornecimento de água constitui serviço público essencial e, como tal, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, a sua prestação, obrigando-se a fornecê-la de forma adequada, eficiente, segura e contínua (artigo 22, caput, do Código de Defesa do Consumidor)”.
O relator acrescentou que não se deve negar o fornecimento de água à apelante pelo fato de ter a sua casa construída em área de loteamento irregular, principalmente porque os serviços já foram e permanecem sendo fornecidos a outros moradores residentes em áreas próximas do local. Os desembargadores Luis Fernando Nishi e Paulo Alcides seguiram o voto de Ayrosa.
Segundo o colegiado, o fornecimento de água constitui serviço essencial à habitabilidade da moradia e está intrinsecamente ligado à preservação da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, princípio que deve, inclusive, nortear as políticas públicas.
“Neste sentido, a recusa no fornecimento de água implica em ofensa a direito básico de saúde e violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. (…) Eventual irregularidade que afeta o loteamento em que se situa o imóvel guarda natureza apenas documental e registrária, sanável, pois”, concluiu o acórdão.
Processo 1003777-50.2019.8.26.0441
Com informações do Conjur