Ofensas que extrapolam a liberdade de expressão e recaem sobre pessoa ou pessoas determinadas geram dano moral e devem resultar em indenização. Com essa fundamentação, a 3ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) deu provimento ao recurso inominado interposto por um subtenente da Polícia Militar e condenou um cantor que o xingou durante apresentação em um trio elétrico em Salvador, no Carnaval de 2020.
Conforme o acórdão, Anderson Machado de Jesus, que adota o nome artístico de Igor Kannário, deverá pagar R$ 5 mil de indenização por dano moral ao policial militar. A decisão reforma sentença da 2ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais de Causas Comuns de Salvador, homologada pelo juiz João Batista Perez Garcia Moreno Neto, que julgou improcedente o pedido do autor.
Em decisão monocrática, autorizada pela Resolução 2/2021 do TJ-BA por se tratar de matéria pacífica na jurisprudência da 3ª Turma Recursal, a juíza Ivana Carvalho Silva Fernandes, relatora do recurso, entendeu que houve “ato ilícito indenizável na hipótese dos autos, pois presente in casu o nexo causal, sendo a procedência dos pleitos autorais medida que se impõe”.
Segundo a julgadora, o autor demonstrou que estava escalado para trabalhar no policiamento do Circuito Osmar (Campo Grande), no mesmo horário em que Igor Kannário fez a sua apresentação no local. As provas também demonstraram que o artista, do alto do trio elétrico, ofendeu o subtenente, bem como a sua guarnição, que se encontrava no solo, em meio aos foliões.
Ivana Fernandes citou um vídeo juntado pelo autor no qual o cantor diz que o subtenente e os seus colegas de farda são “bunda mole” e insufla a população contra eles. “A responsabilidade civil é um dever de reparação por algo que foi realizado e que causou prejuízo a outrem. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, agasalha a livre manifestação do pensamento, mas não o excesso na manifestação”, ponderou a relatora.
Os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil também embasaram a decisão da juíza. Segundo essas regras, comete ato ilícito quem viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. O mesmo se aplica ao titular de um direito que, ao exercê-lo, excede os limites. Por fim, como consequência do ato lícito causador de dano, impõe-se ao seu autor o dever de reparação.
O subtenente pediu R$ 10 mil de indenização, mas a relatora fixou em R$ 5 mil o valor a ser pago por Kannário por considerá-lo “justo e viável” para penalizar “a conduta imprópria, desleixada e negligente” do recorrido e desestimulá-lo da prática de novos atos ilícitos. Sobre essa quantia deverá incidir correção monetária desde o arbitramento e juros de mora de 1% ao mês, contados a partir da citação.
Ofensa “genérica”
Na tentativa de se eximir de responsabilidade pelo dano moral, Igor Kannário alegou que não dirigiu a sua fala especificamente ao autor. Ele acusou a Polícia Militar baiana de adotar uma postura “mais repressora e agressiva” em seus shows devido à origem humilde sua e do seu público, atribuindo as suas manifestações no trio elétrico ao “calor do momento”.
A sentença de primeira instância acolheu a tese do cantor. Conforme essa decisão, que agora foi reformada, “a manifestação do réu se deu de maneira genérica e direcionada à corporação, e não a uma guarnição ou policial em específico. Logo, não há que se falar em dano moral sofrido pelo autor, tendo em vista que não foi verificada, pelo que consta nos autos, nenhuma ofensa direcionada diretamente ao mesmo”.
Processo 0105550-34.2021.8.05.0001
Com informações do Conjur