Atitude suspeita e nervosismo não são elementos suficientes para convalidar busca pessoal

Atitude suspeita e nervosismo não são elementos suficientes para convalidar busca pessoal

O Desembargador José Hamilton Saraiva dos Santos, do Tribunal de Justiça, negou recurso do Ministério Público, contra a absolvição na primeira instância, fincando que, no que pese a boa fé da polícia, os elementos dos autos não acenavam para provas de que a busca pessoal no acusado tenha sido precedida da fundada suspeita exigida para a convalidação das demais provas que se mostraram supervenientes, ainda que com o encontro posterior de material entorpecente. Aldair Brito, o acusado, manteve-se absolvido por reconhecimento de provas ilícitas na persecução penal, ante a ilegalidade flagrante do procedimento de busca.

A mera referência de uma atitude suspeita e aparência de nervosismo não são elementos suficientes para convalidar uma busca pessoal pelos agentes encarregados da persecução penal ostensiva. Deve-se afastar a intuição baseada no raciocínio do policial. Não se pode inverter valores. Significa que a situação de fundada suspeita deve ser anterior à busca pessoal e não posterior a ela. Não havendo essa fundada suspeita anterior, o encontro subsequente de material ilícito não permite o seu aproveitamento para fins de persecução penal, editou o Relator. 

“Não é possível que a constatação da situação de ‘fundada suspeita’ ocorra após a realização da busca pessoal no indivíduo, pois o encontro do material entorpecente não convalida a ilegalidade que lhe é antecedente. Dito de outro modo, a fundada suspeita que autoriza a busca deve ser aferida antes da realizada busca pessoal e o encontro subsequente do material ilícito não permite o seu aproveitamento para fins de persecução penal”, fundamentou-se. 

O Ministério Público defendeu a tese de que as buscas pessoais pelos policiais foram legítimas e que o ingresso no domicílio do réu realizaram-se dentro dos limites legais. Porém, busca pessoal, sem fundada suspeita, é ilegal. Foi o que ocorreu no caso concreto, editou a decisão em segunda instância. 

Entenda o caso

Narrou-se na denúncia que os policiais, com informações de fonte não identificada (anônima), chegaram até ao acusado sob a imputação de que havia comércio ilícito de entorpecentes em uma bar, oportunidade na qual encontraram o réu sentado na mesa do estabelecimento ingerindo bebida alcoólica, momento no qual, sem qualquer diligência prévia, abordaram-nos, diretamente, e procederam à revista pessoal, instante em que identificaram dinheiro em espécie, e, em mesa próxima ao acusado, um pote contendo entorpecente. 

Posteriormente, os policiais declararam que, após busca pessoal no Réu, este, espontaneamente, informou que havia mais ilícitos em sua residência, vindo ulteriormente a autorizar o ingressos dos agentes na sua casa. Na instrução o acusado negou que tenha feito essa autorização. 

A ilegalidade da revista pessoal foi declarada na razão de se entendeu a mera informações de fonte não identificada, carentes de fundada suspeita, e sem qualquer diligência pela polícia, não autorizaria, por si, a busca pessoal. Noutro giro, o fato de haver sido encontrado entorpecente na ocasião, igualmente, não poderia convalidar a ilegalidade prévia. “O elemento fundada suspeita deve ser aferido com base no que se tinha antes da diligência em questão”, arrematou-se. 

Processo nº 0000071-28.2020.8.04.3101

Leia o acórdão:

0000071-28.2020.8.04.3101. Classe/Assunto: Apelação Criminal / Tráfico de Drogas e Condutas Afins. Relator(a): José Hamilton Saraiva dos Santos. Comarca: Boca do Acre
Órgão julgador: Primeira Câmara Criminal. Data do julgamento: 07/02/2023. Data de publicação: 07/02/2023. Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/2006. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA COM ARRIMO NA ILICITUDE DAS PROVAS. IRRESIGNAÇÃO DO PARQUET. LICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM SEDE INQUISITORIAL, ULTERIORMENTE, RATIFICADAS EM JUÍZO. NÃO CONSTATADA. BUSCA PESSOAL. INGRESSO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. TEMA N.º 280 DE REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS N.º 158.580/BA. HABEAS CORPUS N.º 598.051/SP. ILEGALIDADE DAS DILIGÊNCIAS. CONFIRMADA. MANTENÇA DA SENTENÇA VERGASTADA. NECESSIDADE. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E DESPROVIDA. 1. Prima facie, o Parquet Estadual postula a reforma da sentença absolutória a fim de que seja reconhecida a licitude das provas acostadas ao Feito, pois as diligências policiais de busca pessoal, bem, como, de ingresso em domicílio se deram dentro dos limites legais, devendo ser afastado o princípio in dubio pro reo na hipótese, para condenar o Recorrido nas sanções capituladas no art. 33, caput, da Lei de Tóxicos. 2. Nesse espeque, o colendo Superior Tribunal de Justiça já assentou que a busca pessoal sem mandado judicial exige a existência de fundada suspeita, lastreada em juízo de probabilidade, aferido de modo objetivo e devidamente justificado pelos indícios e circunstâncias do caso concreto, de que o indivíduo esteja na posse de objeto ilícito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. Precedentes. 3. In casu, durante a Audiência de Instrução e Julgamento, os agentes estatais narraram que receberam uma denúncia anônima de que havia comércio ilícito de entorpecentes em bar local, oportunidade na qual encontraram o Réu sentado em mesa do estabelecimento ingerindo bebida alcoólica, momento no qual, sem qualquer diligência prévia, abordaram-no, diretamente, e procederam à revista pessoal, instante em que identificaram dinheiro em espécie, e, em mesa próxima ao Acusado, um pote contendo entorpecente. 4. Nesse cenário, meras informações de fonte não identificada (denúncia anônima), como na hipótese, carentes de fundada suspeita, demonstrável de maneira clara e concreta de que o Denunciado, de fato, estava no porte de ilícitos não autoriza, por si só, a busca pessoal do art. 244 da Lei Adjetiva Penal, além de que o fato de haverem sido encontrados entorpecentes na ocasião, igualmente, não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento da “fundada suspeita” seja aferido com base no que se tinha antes da diligência em questão. Precedentes. 5. Noutro giro, rememora-se que o excelso Supremo Tribunal Federal definiu em Tema n.º 280 de Repercussão Geral que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto que indiquem estar ocorrendo no interior da casa situação de flagrante delito. 6. Nesse elastério, a colenda Corte Superior de Justiça assentou que o Tráfico Ilícito de Entorpecentes, conquanto seja classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde, supostamente, encontra-se a droga, de forma que apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente, inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada. Além disso, o consentimento do morador para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa, assim, como, a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. Ainda, a mera apreensão de drogas com o Réu, em via pública, sobretudo em lugar distante de sua residência, não configura justa causa suficiente para o ingresso em domicílio. Precedentes. 7. No caso, os policiais declararam em sede de instrução processual que, após busca pessoal no Réu, este, espontaneamente, informou que havia mais ilícitos em sua residência, vindo, ulteriormente, a autorizar o ingresso dos agentes estatais em seu domicílio. Em sentido oposto, o Acusado declarou em sede judicial que, quando de sua prisão em flagrante, somente relevou que havia ilícitos em sua casa após ser coagido pelos agentes estatais, oportunidade na qual esses se deslocarem até sua residência, contudo, em momento algum franqueou-lhes a entrada no domicílio. 8. Nessa conjuntura, as peculiaridades do caso concreto não conferem verossimilhança à afirmação dos policiais de que o Réu, após ser encontrado com um pote de entorpecentes próximo de si, distante de onde situada a sua residência, haveria confessado, espontaneamente, possuir mais drogas em casa, levando, em seguida, os policiais até o logradouro e, ato contínuo, franqueado a entrada em seu domicílio. 9. Assim sendo, constata-se que a Ação Penal em questão se embasa unicamente em provas ilícitas, consistentes na ilegalidade da revista pessoal, bem, assim, do ingresso em domicílio efetuados, ensejando a mantença do decisum objurgado. 10. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E DESPROVIDA.

 

 

 

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