Ter o juiz dado a um processo o tratamento de que este não continha as provas da conduta ilícita indicada como criminosa na ação penal privada, desprezando a ata notarial juntada pela vítima, onde se descreve toda a conduta ilícita praticada pelo acusado, é desprezar o valor probatório do documento, o que não é correto, ainda mais quando a ata se constitua na única prova do ilícito, que melhor se firma pelo fato do acusado, em nenhuma fase do processo, ter tomado a iniciativa de impugnar o documento. Dentro dessas ordálias, a absolvição pela calúnia foi mudada em recurso relatado pelo Desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes, do Tribunal de Justiça.
O caso, originalmente afeto a julgamento dos Juizados Especiais Criminais, por se constituir em infração de menor potencial ofensivo, recebeu contornos jurídicos diversos, face à complexidade da matéria, representada pela juntada da prova essencial ao deslinde da questão, uma mídia em áudio contendo a voz do acusado, onde se poderia ouvir as ofensas perpetradas. Referidas ofensas foram transcritas em ata notarial, cuja fé pública pela transcrição foi considerada irrebatível.
Esse documento, a Ata, além de ter presunção de veracidade “juris tantum”, tem fé pública, haja vista que o referido termo é lavrado por um tabelião de notas, sem que, no caso concreto, o interessado tenha contestado a autenticidade das transcrições, não o impugnando, como recomendável no exercício do contraditório.
No julgado, em segunda instância, se considerou que que ‘o áudio transcrito na ata notarial foi gravado em um momento específico e único no tempo, portanto, é uma prova irrepetível, podendo servir como fundamento para a condenação. No teor do documento estavam registradas todas as palavras ofensivas e a imputação do fato definido como crime atribuído ao querelante, autor da ação penal.
“É importante salientar que tal mídia é a única prova produzida por ambas as partes, valendo ressaltar que a querelada não impugnou em momento algum a veracidade de tal áudio, sequer fazendo menção a ele em sede de audiência”. Não poderia prosperar, na causa, o fundamento usado pelo juízo sentenciante, que absolveu o réu por entender que não houve prova da existência do fato”. Foi aplicada a pena de detenção de 8 meses ao querelado, além de 13 dias-multa.
Processo nº 064614516.2019.8.04.0001
Leia o acórdão:
Apelação Criminal / Calúnia. Relator(a): Jomar Ricardo Saunders Fernandes. Comarca: Manaus. Órgão julgador: Segunda Câmara Criminal. Data do julgamento: 23/03/2023. Data de publicação: 23/03/2023. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. CALÚNIA E INJÚRIA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO. ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. SENTENÇA REFORMADA PARA CONDENAR A RÉ PELOS CRIMES DE CALÚNIA E INJÚRIA. REPRIMENDA FIXADA EM 8 (OITO) MESES DE DETENÇÃO E 26 (VINTE E SEIS) DIAS-MULTA, QUE POSSUEM VALOR FIXADO EM 1/10 (UM DÉCIMO) DO SALÁRIO MÍNIMO LEGAL E VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. ART. 44, §2º, DO CP. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O conjunto fático-probatório juntado aos autos revela-se suficiente para amparar a condenação da apelante pela conduta tipificada nos arts. 138 e 140 c/c 141, inciso III, do Código Penal, razão pela qual procede o pedido de condenação; 2. Por tais razões, reforma-se a sentença absolutória para condenar a recorrida, devidamente qualificada nos autos, como incursa nas penas dos arts. 138 e 140 c/c 141, inciso III, do Código Penal; 3. Pelo critério trifásico de dosimetria da pena, fixo-a em 8 (oito) meses de detenção e 26 (vinte e seis) dias-multa, que possuem valor fixado em 1/10 (um décimo) do salário mínimo legal e vigente à época dos fatos; 4. Tendo em vista o disposto pelo art. 44, §2º, do CP, é notável que a recorrida faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, uma vez que é ré primária, inexistem circunstâncias judiciais em seu desfavor, a pena aplicada é inferior a 4 (quatro) anos e o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça. 5. Recurso parcialmente conhecido e provido