Como reconhecer se uma instituição, pública ou privada, tem em seu DNA a prática, explícita ou não, do assédio? Segundo Roberto Heloani, professor doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), um bom caminho é ter a coragem de perguntar às pessoas que atuam ali: “Vocês são felizes com o que fazem e com quem trabalham?”
Essa foi umas das reflexões compartilhadas no seminário “Cultura Organizacional Livre de Assédio: Interfaces entre Trabalho, Indivíduo e Saúde Mental”, realizado, nesta quarta-feira (8), no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília.
O acadêmico ressalta que há duas situações bem diferentes: um cenário é a felicidade de desempenhar uma função ou trabalho para o qual a pessoa se preparou. Outro é a felicidade de trabalhar em um ambiente com pessoas com as quais se identifica e em quem confia .
Cultura da cobrança e gestões arcaicas contribuem para problemas mentais
A prática de condutas abusivas pode vir da cultura de cobrança por resultados econômicos e metas muitas vezes impossíveis de serem cumpridas. Essa situação pode gerar um sentimento de incompetência e de constrangimento em quem não consegue alcançar o objetivo imposto, comprometendo gravemente sua saúde física e mental.
Uma pesquisa da consultoria britânica Capita, reproduzida pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), revelou que 45% da população empregada do Brasil considerara deixar um emprego em razão do estresse, e 22% disseram sentir estresse com alta frequência ou o tempo todo. Além disso, 49% % não acham que seu líder imediato saberia o que fazer se conversassem sobre um problema de saúde mental
Para Lis Soboll, doutora em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (USP) e palestrante do evento, esse tipo de conduta vai de encontro à cultura do respeito, em que deve prevalecer a convivência saudável. “A prática do assédio está relacionada com a forma de organização do trabalho, pois as violências têm elementos individuais, organizacionais e sociais mais amplos”, explicou. Uma cultura livre de assédio, a seu ver, envolve acolhimento e abertura de espaços legítimos de diálogo.
A assistente social Karla Valle, da Coordenadoria de Saúde do TRT da 1ª Região (RJ), alerta para questões como os limites entre tempo de vida e de trabalho e a hiperconectividade como noção de competência, que dão origem à sociedade do doping e do cansaço. Para a palestrante, essa ditadura do tempo real, em que tudo é “para ontem” e que todas as tarefas são urgentes, podem dizer respeito a uma gestão arcaica. “O resultado é a psiquiatrização não só do sofrimento, mas também do aprimoramento”, afirmou. “A gente naturaliza o uso da medicação para resistir, para conseguir dar conta, para ser mais produtivo, mas também para conseguir descansar, relaxar, se desconectar”.
A juíza do trabalho Mirella Cahú, da 4ª Vara do Trabalho de João Pessoa (PB), apontou como outro grande desafio a invisibilidade de muitas situações de violência e assédio, em que a pessoa assediada também é vítima da solidão e do medo de retaliação, de perder o emprego e de como vai ser vista se denunciar. “Um dos grandes desafios é pensar em como levar os trabalhadores a falar”, pondera. A seu ver, as empresas são responsáveis por promover espaços de fala, acolhimento e denúncia.
Representatividade e diversidade reduziriam violências
A professora Sayonara Nogueira, membra do Comitê Trans da Rede Ibero-Americana de Educação LGBTI+ e do Painel de Concessão de Fundos do Internacional Trans Fund, abordou a questão do ponto de vista das pessoas trans e travestis. Ela questiona a efetividade da atuação de órgãos como a Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho em relação à proteção dessas pessoas e defende que elas participem de postos de formação continuada nas empresas, atuando na sensibilização de gestores e funcionários.
Na mesma linha, a psicóloga Fabiane Gonçalves observa que as empresas ainda resistem em contratar pessoas negras, com deficiência, trans e travestis e em colocar mulheres em cargos de liderança. “Elas contratam porque são obrigadas”, avalia. “Apesar de existirem políticas públicas, percebemos que muita coisa ainda não acontece. Enquanto atores desses lugares, precisamos cobrar para que a diversidade aconteça”.
Presidente reitera compromisso com ambiente saudável
Na abertura do seminário, o presidente do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Lelio Bentes Corrêa, reafirmou o compromisso de sua gestão com a garantia do direito humano ao trabalho decente. “Precisamos olhar para dentro da nossa própria instituição e garantir que aqui tenhamos um ambiente saudável, que respeite a dignidade e possibilite o pleno desenvolvimento de potencialidades”, afirmou. “Para tanto, é preciso combater todo tipo de violência, assédio e discriminação”.
Em 2023, o TST instituiu a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, coordenada pela ministra Delaíde Miranda Arantes. “No âmbito da Justiça do Trabalho, o caminho já foi iniciado, e faço um apelo a todas as gestões futuras para que essas ações tenham continuidade e sejam prioritárias”, defendeu.
De acordo com o ministro Alberto Balazeiro, coordenador do Programa Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho, condutas abusivas no ambiente de trabalho não podem ser naturalizadas. “O assédio é uma fonte de ataque à saúde das mais profundas, e o adoecimento mental provocado por um ambiente tóxico tem sido uma preocupação constante de nossas ações”.
Com informações do TST