Por vezes, as decisões oriundas dos Juizados Especiais Cíveis podem passar despercebidas no ambiente jurídico mais denso, onde grandes teses constitucionais e recursos repetitivos costumam dominar os holofotes.
Contudo, é no cotidiano dessas unidades judiciais que pulsa, silenciosamente, uma justiça acessível, célere e pragmática – voltada à resolução de controvérsias que, embora pequenas em valor, são significativas para os cidadãos comuns.
Um exemplo disso é a recente sentença proferida pelo Juizado Especial Cível de Parintins (Processo n.º 0604318-67.2024.8.04.6300), envolvendo a venda de um microônibus no valor de R$ 60 mil. No caso, o autor da ação alegou ter recebido R$ 55 mil, ficando o réu de pagar os R$ 5 mil restantes mediante o custeio de um empréstimo bancário feito em nome do próprio vendedor – obrigação essa que, segundo a narrativa inicial, teria sido integralmente descumprida.
O ponto central da controvérsia residiu na ausência de prova quanto ao suposto acordo para quitação do empréstimo. Ao aplicar corretamente a regra de distribuição do ônus da prova prevista no art. 373, I, do CPC, o juiz entendeu que, não comprovado o alegado pacto, deveria ser reconhecida apenas a obrigação incontroversa: o pagamento dos R$ 5 mil remanescentes da venda. Por outro lado, afastou-se o pedido do réu de compelir o autor a realizar a transferência do veículo, diante da pendência de quitação total do preço.
A sentença ilustra com clareza a vocação dos Juizados Especiais: oferecer uma prestação jurisdicional desburocratizada, sem perder de vista os princípios da oralidade, simplicidade, economia processual e instrumentalidade das formas, conforme traçado pela Lei n.º 9.099/95.
Mais do que isso, revela a realidade das relações negociais informais que permeiam a sociedade brasileira – muitas vezes baseadas apenas na confiança e na informalidade, o que, inevitavelmente, acaba por gerar disputas que, embora chamadas de questiúnculas, carregam consigo impactos reais e, por vezes, dramáticos na vida das partes.
A densidade dos conflitos humanos não se mede exclusivamente pelo valor econômico atribuído à causa, mas pela capacidade do Judiciário de assegurar, mesmo nas pequenas causas, a efetividade do direito material.
Ao final, esse microcosmo processual revela uma verdade silenciosa: é nos Juizados que o Direito encontra, de forma mais direta, o cidadão comum. E é lá que a função jurisdicional reafirma sua dimensão mais concreta – aquela que transforma litígios cotidianos em justiça realizada.
Por João de Holanda Farias
O autor é advogado, egresso do Ministério Público do Amazonas