Uma mulher ingressou com uma ação anulatória de alteração de contrato social buscando retirar o nome dela da sociedade que havia ingressado com o filho do ex-noivo. Após quatro meses de namoro com o homem que conheceu por um aplicativo de relacionamento, ela passou a fazer parte do quadro societário da empresa, anteriormente formado pelo pai e pelo filho. Ela fez empréstimos para injetar mais de R$ 1 milhão no negócio, uma agroindústria.
Ao analisar o pedido, o Juiz de Direito da Vara Regional Empresarial de Porto Alegre, Gilberto Schäfer, determinou, nessa terça-feira (13/2), a anulação da alteração do contrato social para a exclusão do nome dela. O magistrado considerou que a alteração na sociedade foi um meio fraudulento articulado pelo pai e pelo filho para obterem dinheiro e envolverem a autora em uma encenação, já que o homem se mostrava, inicialmente, como pessoa atenciosa, amorosa, influente e dizia passar, momentaneamente, por problemas de disponibilidade financeira.
Embora o noivo não integrasse mais o quadro societário, ele tinha procuração do filho com amplos poderes para gerir a empresa. A autora do processo alegou que pai e filho, réus do processo judicial, usaram-na de forma torpe, a fim de obter os valores dos empréstimos. Disse ainda que, ao perceber o golpe e buscar prestação de contas, foi respondida com grosseria, tonando-se insustentável a relação entre os sócios. Alegou também temer o aumento de dívidas com a má gestão da sociedade, fazendo aumentar os seus prejuízos financeiros. A mulher afirmou que se viu como “vítima perfeita dos planos da parte ré”, uma vez que era bem sucedida financeiramente, além de estar, na época dos fatos, apaixonada pelo réu e incapaz de perceber as reais intenções do homem. O casamento já estava marcado, com o vestido de noiva escolhido.
Estelionato sentimental
“Os réus utilizaram de técnica de fraude. Usando de dolo intenso, mantiveram a autora em erro. Utilizaram a falsa representação de pessoa bem-sucedida, amiga de pessoas influentes, empresário, com discurso que iam ao encontro de uma idealização romântica da autora”, pontua o Juiz.
Para o magistrado, a conduta foi de estelionato sentimental, que se caracteriza pela prática de fraude para obtenção de vantagem econômica. Na esfera criminal, segue em tramitação um processo criminal contra o ex-noivo que responde pelo crime de estelionato.
“A humilhação e o estigma de tal relacionamento é fortemente repudiado pela dignidade, ao transformar o outro, os sentimentos do outro em objeto. Neste sentido, o estelionato sentimental tem consequências além das patrimoniais, pois abala a confiança da vítima em outros relacionamentos que ela possa vir a ter”, diz.
Protocolo de gênero
Na fundamentação da decisão, o Juiz aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, conjunto de diretrizes determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os julgamentos levem em conta as especificidades das pessoas envolvidas a fim de evitar preconceitos e discriminação por gênero e outras características.
O magistrado entendeu que questões de gênero podem se fazer presentes, não apenas por atingirem as mulheres de forma exclusiva, mas porque elas são atingidas em maior intensidade e em maior número. A partir dessa compreensão, entendeu que é fundamental a aplicação da Lei Maria da Penha, que repudia a violência psicológica, e que, em complementariedade, deve ser aplicada também ao direito civil e ao direito empresarial.
“No presente caso, se fazem presentes os elementos de manipulação e humilhação que configuram violência psicológica e estelionato sentimental. Se não fossem as promessas amorosas de matrimônio jamais teria (a autora) confiado tão cega em suas promessas de lucratividade e bons negócios”, afirma.
Com informações do TJ-RS