O Estado tem o dever de indenizar pelos danos causados ao proprietário de terras invadidas quando ele obtém decisão liminar determinando a reintegração de posse, mas a Polícia Militar se recusa a cumpri-la.
O caso, ocorrido há mais de 20 anos, pode chegar ao fim por meio de um julgamento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso do Estado do Amazonas.
Por maioria de votos, o colegiado concluiu que o recurso do governo amazonense não poderia ser conhecido, por causa de óbices processuais. Entendeu-se que houve decificiência na fundamentação feita pelo recorrente.
O processo trata de uma área de 663 mil metros quadrados, em Manaus, que foi invadida por milhares de famílias e foi transformada em um bairro, hoje conhecido como Bairro Jesus Me Deu,próximo à Torquato Tapajós. Com o esbulho e deferida a medida judicial de reintegração, foi acusada a omissão do Estado no cumprimento da ordem. Logo depois da invasão, o governo fez obras de infraestrutura e implantou serviços públicos na região.
O terreno foi invadido em junho de 2002 e a ação de reintegração de posse foi ajuizada em agosto do mesmo ano, mas a liminar só foi deferida em abril do ano seguinte, quando já havia mais de 1,5 mil famílias no local.
As famílias se recusaram a cumprir a decisão, o que fez o proprietário pedir o auxílio da polícia, que se recusou a retirar as pessoas com o argumento de que havia tratativas para um acordo entre as partes. O pedido de regularização foi feito pelos invasores ao estado e não envolveu o proprietário.
Esse processo administrativo nunca foi encerrado. Já a ação de reintegração de posse foi extinta em 2011 por desídia do autor, que havia morrido e era representado por um parente. Em 2016, os herdeiros do proprietário ajuizaram a ação de indenização.
Indenização devida
A Justiça estadual julgou o pedido procedente. O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) concluiu que a prescrição de dez anos para cobrar a indenização foi interrompida pelo processo administrativo aberto para regularizar a área.
Com isso, fixou indenização cujo valor, sem atualização, é de R$ 65 milhões. Afastar a responsabilidade do governo, segundo o TJ-AM, seria favorecer seu comportamento torpe, já que ele se beneficiaria pela demora que deu à causa.
“Não é uma área nobre, mas mesmo que fosse: (esse valor) Nem às margens do Sena (rio em Paris)”, comentou o relator, ministro Herman Benjamin, que votou por dar provimento ao recurso e reconhecer a prescrição do direito de indenização. Ele, no entanto, ficou vencido.
Para o magistrado, a instauração do processo administrativo para desapropriação da área em favor dos invasores não é suficiente para interromper a prescrição para o direito à indenização, pois são coisas que não se confundem.
“A interrupção da prescrição exige ato inequívoco do poder público, reconhecendo ser devida reparação aos proprietários do imóvel ocupado”, disse Herman Benjamin.
Recurso não conhecido
Abriu a divergência vencedora o ministro Mauro Campbell. Para ele, o recurso do estado do Amazonas veio baseado em pontos que não embasaram o julgamento do TJ-AM, nem foram discutidos.
O tribunal entendeu que a prescrição foi interrompida pelo processo administrativo e que voltou a fluir após seu encerramento. E o recurso apontou violação ao artigo 202, inciso VI, do Código Civil, que trata da interrupção da prescrição, mas que não foi discutido antes.
AREsp 1.926.185
Fonte Conjur