O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) e suspendeu os efeitos de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que poderia causar graves danos ao mercado de energia elétrica nacional, com possíveis repercussões ao consumidor comum.
A atuação ocorreu após uma comercializadora de energia entrar com um pedido de tutela cautelar questionando pontos da Resolução Normativa nº 1.032/2022, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A norma estabelece a forma de cálculo do denominado Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), que pode ser definido como o preço utilizado para valorar as diferenças entre a energia contratada pelos agentes do setor elétrico nacional e a quantidade efetivamente gerada ou consumida no chamado “Mercado de Curto Prazo”. Na prática, isso significa que quem entregou menos energia do que deveria contratualmente ou quem consumiu mais do que o previsto precisa efetuar o pagamento desse saldo.
A motivação da comercializadora parte da alegação de que a Tarifa de Energia de Otimização da Usina Hidrelétrica de Itaipu (TEO/Itaipu) estaria sendo considerada para fixação do valor mínimo do PLD – atualmente, no importe de R$ 69,04 por megawatt-hora (MWh). Para a requerente, pelo caráter binacional da hidrelétrica, a TEO/Itaipu levaria em conta custos estranhos às diretrizes do Decreto nº 5.163/2004, argumento que, em primeiro grau, foi afastado pela Justiça Federal. No entanto, a empresa recorreu ao TRF1, que concedeu liminar favorável, de modo a reduzir o preço mínimo – apenas em favor da recorrente – para R$ 15,05/MWh.
Por meio de uma suspensão de liminar e sentença dirigida à presidente do STJ, a AGU esclareceu que o decreto prevê que a Usina de Itaipu não poderia ser excluída dos custos de operação e manutenção das hidrelétricas do sistema brasileiro, sobretudo diante da relevante participação energética que ela possui no país. Além disso, a Advocacia-Geral destacou que a manutenção da decisão do TRF1 causaria graves prejuízos ao mercado de eletricidade e à ordem administrativa, pois colocaria a autora da ação em posição extremamente vantajosa em relação aos demais agentes do setor elétrico, atentando ainda contra as competências regulatórias da Aneel.
A presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, atendeu ao pedido da AGU e determinou a suspensão dos efeitos da decisão do TRF1 até o trânsito em julgado da ação originária, ou seja, até que o caso seja apreciado de forma definitiva. “Com efeito, o afastamento liminar das regras definidas pela agência reguladora (…) implica interferência nas regras do setor elétrico, trazendo tratamento anti-isonômico em prejuízo dos demais agentes não integrantes da ação judicial. Com isso, (…) resta comprometida a estabilidade de um mercado regulado e sensível, de forma a causar incerteza e insegurança jurídica quanto às regras e procedimentos definidos pelo ente regulador”, assinalou a ministra.
Prevenção da litigiosidade
Para o coordenador-geral de Tribunais Superiores da Procuradoria-Geral Federal (PGF), Fábio Monnerat, a suspensão obtida evita um possível efeito multiplicador de demandas. “Por se tratar de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, uma decisão como essa possui um caráter paradigmático e, por isso, capaz de prevenir a litigiosidade, inibindo o ajuizamento de novas ações sobre o tema em escala nacional”, destacou.
A procuradora federal Adriana Dulliius, que atuou pela PGF no caso, ressalta que o respeito às decisões de natureza técnica das agências, como a Aneel, tem sido um dos principais aspectos defendidos pela AGU em juízo. “A interferência nas regras do setor elétrico definidas pelo ente regulador (…) trazem tratamento anti-isonômico entre os participantes do mercado e, consequentemente, gera instabilidade e insegurança jurídica”, disse.
Já a procuradora nacional da União de Políticas Públicas, Cristiane Souza Fernandes Curto, pondera que o entendimento da presidente do STJ proporciona a volta da estabilidade que vigorava, há 20 anos, no setor elétrico. “A decisão ora suspensa, de maneira precária e sob o argumento de que somente afetaria e beneficiaria uma empresa, em verdade acabava por causar um enorme desequilíbrio a todos os atores que integram o Mercado de Curto Prazo de energia elétrica”, frisou.
Danos ao consumidor
O procurador-chefe da Aneel, Luiz Eduardo Diniz Araújo, observa que eventual manutenção da liminar concedida pelo TRF1 também poderia causar danos ao consumidor. “Como as distribuidoras de energia elétrica apresentam, no momento, sobrecontratação de energia elétrica, isso significa que elas têm sido credoras no mercado de curto prazo. Assim, por força da liminar, as distribuidoras também receberiam valor inferior ao devido, com impacto negativo para o consumidor”, disse, referindo-se a uma provável repartição dos prejuízos sofridos pelas empresas.
Nesse sentido, a procuradora federal Candice Sousa Costa, coordenadora-geral de Assuntos de Energia da Consultoria Jurídica junto ao Ministério de Minas e Energia, enfatiza a importância da rápida atuação da AGU no caso. “[A relevância] consiste em levar ao Judiciário a correta compreensão da matéria, traduzindo e simplificando termos técnicos da linguagem setorial, de modo que não se permita que interesses estritamente econômicos e subjetivos dos autores sejam acolhidos em detrimento da normatividade posta no setor elétrico há mais de 20 anos”, finalizou.
Com informações da AGU