Ao analisar autos com pedido de Conflito negativo de Competência, as Câmaras Reunidas do TJAM, com o relatório da desembargadora Joana dos Santos Meirelles, concluiu que, numa relação entre pai e filha, que seja demonstrado situação de violência no âmbito doméstico, caracterizada por agressão física e uso de faca, e por comprovada dependência econômica da vítima, a competência para julgar o processo será do juízo da Vara da Maria da Penha.
Ocorre que, o juízo de origem – Vara do 1° Juizado Especializado da Violência doméstica (Maria da Penha) – entendeu que não era competente para julgar o processo que narrou violência no âmbito doméstico de pai contra a filha, e pediu para que a questão fosse encaminhada para um das varas criminais de Manaus, suscitando o conflito negativo de competência.
A declinação da competência se deu porque a magistrada da Vara de Violência Doméstica entendeu que o crime de violência imputado ao autor não teria sido praticado com a motivação de opressão à mulher, mas de desavenças decorrentes de questões patrimoniais, e não em razão da vulnerabilidade da ofendida pela condição de ser mulher.
De acordo com o artigo 66 do Código de Processo Civil-CPC, aplicado no processo penal, um dos motivos para surgir o conflito de competência ocorre quando dois ou mais juízes se declaram competentes ou incompetentes para julgar um processo. No caso, o juízo da vara para onde o processo foi redistribuído, entendeu de forma diversa, suscitando o conflito. Os autos subiram às Câmaras Reunidas para a solução do impasse.
Para a relatora, “a legislação tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, mas o crime pode ser cometido em qualquer relação íntima de afeto ou no âmbito da unidade doméstica, da família”.
Para Joana Meirelles, a Lei Maria da Penha, lei de n° 11.340/06, protege a mulher que “por motivação de gênero, encontra-se em estado de vulnerabilidade e de submissão perante o poder controlador e dominador do homem”.
A magistrada ainda lembrou que o STJ entende que “o legislador, ao editar a Lei Maria da Penha, teve em conta a mulher numa perspectiva de gênero, mas também ressalta as condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica em relações patriarcais, o que se encaixa à grave conduta delituosa ora tratada”, fixando que os autos deveriam retornar à justiça especializada de crimes contra a mulher.
“Caracteriza-se o contexto de relação doméstica e familiar de convivência para fins de proteção especial da Lei nº 11.340/2006, quando os fatos ocorrem no âmbito de uma relação de afeto existente entre pais e filhos, na qual está presente situação de vulnerabilidade ou subordinação proveniente da dependência econômica”.
Nesse contexto, a agressão sofrida pela vítima não se resumiu a uma agressão somente por razões patrimoniais, havia também uma condição de vulnerabilidade da filha por sua dependência econômica em relação ao pai, devendo portanto, chamar a competência da Vara Especializada Maria da Penha.
Processo n° 0639716-62.2021.8.04.0001
Leia o acórdão:
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. RELAÇÃO HOMOAFETIVA ENTRE MULHERES. RELAÇÃO ÍNTIMA PRETÉRITA. EXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. AGRESSÃO FÍSICA NO ÂMBITO FAMILIAR. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. CONFLITO IMPROCEDENTE. 1. Caracteriza-se o contexto de relação doméstica e familiar de convivência para fins da proteção especial da Lei nº 11.340/2006, quando os fatos ocorrem no âmbito de uma relação de afeto existente entre pais e filhos, na qual está presente situação de vulnerabilidade ou subordinação proveniente da dependência econômica.