A grave nódoa da violência de gênero, não traz o efeito de que o simples fato de a pessoa ser mulher possa torná-la passível de proteção penal especial. No caso da nora, acusada de agredir a sogra, adotada a hipótese de que a mulher pode ser sujeito ativo do crime de violência doméstica, ainda assim se exige a análise da motivação de gênero. Na causa examinada, como editou a Desembargadora Carla Maria dos Santos Reis, dirimindo conflito entre a Vara da Violência Doméstica e o 19º Juizado Especial Criminal, firmou-se a competência do Jecrim para o processo e julgamento de fatos que, em tese de violência doméstica, envolveram um desentendimento entre a sogra e a nora por um suposto furto de um aparelho celular, logo, sem motivação de gênero.
A opressão à mulher é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha, e não apenas a ocorrência de uma simples agressão moral, física, psicológica ou patrimonial da vítima em razão de desavenças, conforme já se manifestou diversos pretórios pátrios, principalmente o egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Como acentuou a Relatora, ao julgar o conflito, se impõe uma interpretação restritiva, vez que, caso contrário, se admitiria a incidência da Lei 11.343/2006 em relação a qualquer crime entre parentes, em que a vítima fosse do sexo feminino.
Se examinou que a vítima estava em sua casa quando foi surpreendida com a chegada da nora, em estado de embriaguez, afirmando que iria pegá-la na rua e encher de p(…)rrada. Tudo começou com um TCO- Termo Circunstancia de Ocorrência. O Ministério Público, na origem disse se tratar de um caso de violência doméstica, e pediu o declínio da competência. O Juiz aceitou. A questão foi encerrada com o julgamento da causa pelo Tribunal de Justiça. Ausente a violência de gênero, não se atrai à vítima mulher a competência da Vara Maria da Penha.
Processo nº 0646529-71.2022.8.04.0001
Leia a ementa:
Relator(a): Carla Maria Santos dos ReisComarca: ManausÓrgão julgador: Câmaras Reunidas Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DE DIREITO DO 1º JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E JUÍZO DE DIREITO DA 19ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. SUPOSTO CRIME DE AMEAÇA. ART 147, DO CP. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE. 1. A controvérsia consiste em saber qual o Juízo competente para processar e julgar o delito de ameaça (art. 147, do CP) supostamente praticado pela nora (denunciada) contra a sogra (vítima), sendo o cerne da questão a existência, ou não, de violência de gênero contra a vítima. 2. Não basta somente a condição de vítima mulher para que seja aplicada a Lei nº 11.340/2006, é necessário também que estejam presentes os requisitos insertos em seu art. 5º, que dispõe que a violência praticada contra mulher, seja no âmbito da unidade doméstica, a derivada da unidade familiar ou a decorrente de relação íntima de afeto, deve ser cometida com base no gênero da pessoa ofendida, de modo que a opressão ocorra em razão de ser ela do sexo feminino, decorrente de sua condição de vulnerabilidade. 3. Os elementos constantes dos autos revelam que a agressão sofrida pela vítima não se deu em razão de sua vulnerabilidade por causa do gênero, mas tão somente foi fruto de um desentendimento entre a vítima, seu filho e sua nora, em virtude do suposto furto de um aparelho celular. 4. Desta forma, não há falar em competência do Juízo do 1ª Juizado Especializado da Violência Doméstica para processar e julgar o feito originário, haja vista que, no caso em tela, resta evidente que o delito praticado não guarda nenhuma motivação de gênero, sobretudo quando levando em consideração o depoimento da vítima, em que a suposta violência empregada se deu por conta de desentendimentos referentes ao suposto furto de um celular. 5. Conflito julgado procedente.