Acordo encerra processo de 2011 e garante ações de combate ao trabalho infantil em MT

Acordo encerra processo de 2011 e garante ações de combate ao trabalho infantil em MT

A fiscalização realizada no ano de 2010 em cerca de 30 estabelecimentos na cidade de Barra do Bugres se deparou com situações como estas: na serralheria, maquinário cortante era manuseado por dois adolescentes; outros três se arriscavam em uma fábrica de móveis. Em outro estabelecimento, dois jovens carregavam pedras e respiravam o pó na marmoraria. Trabalho pesado fazia parte do cotidiano de mais dois menores de idade em uma borracharia. Mais adiante, outros dois adolescentes atendiam em um bar, vendendo bebidas alcoólicas.

Os flagrantes de exploração do trabalho infantil foram registrados em um único mês. Ao todo, 43 adolescentes foram encontrados em situação irregular e sem nenhum equipamento de proteção por auditores fiscais da Secretaria Regional de Trabalho, acompanhados do Ministério Público do Trabalho (MPT). A fiscalização constatou ainda que faltavam políticas públicas de iniciativa do município para enfrentar o problema.

O caso chegou à Justiça do Trabalho em 2011 por meio de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo MPT e cumpriu um longo percurso nesses 12 anos de tramitação. Foi solucionado no início deste mês com uma nova técnica processual, aplicada pela 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra, para onde a ACP retornou depois de percorrer todas as instâncias do judiciário trabalhista.

Utilizando a técnica do processo estrutural, o juiz Mauro Vaz Curvo reuniu as partes e outras instituições relacionadas ao tema da exploração infantil. A iniciativa culminou em um acordo, que prevê a substituição do contexto de afrontas às normas de proteção à criança e adolescente verificados em Barra do Bugres por ações para enfrentar o trabalho infantil no município.

Julgamentos e recursos 

A caminhada até a solução do caso teve seus primeiros passos dois meses após a ACP ser ajuizada, em abril de 2011. O magistrado que primeiro analisou o caso declarou a Justiça do Trabalho incompetente para julgar os pedidos, por entender que não caberia ao judiciário trabalhista impor ao município a adoção de políticas públicas. O MPT interpôs recurso e, assim como a sentença, a 1ª Turma do TRT mato-grossense concluiu pela incompetência da Justiça do Trabalho. O processo foi alvo de novo recurso do MPT, desta vez ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Em Brasília, a 5ª Turma do TST manteve o acórdão do TRT. “A Justiça do Trabalho não tem competência para impor a obrigação de produzir leis nem de adicionar rubrica orçamentária, eis que essas são questões estranhas à relação de trabalho”, afirmava a decisão, publicada em dezembro de 2013. Novo recurso se seguiu, por meio de embargo interposto pelo MPT à Seção de Dissídios Individuais (SDI).

Em decisão publicada em março de 2021, os ministros da SDI deram parcial razão ao MPT, reconhecendo que, embora os demais pedidos da ACP não são da competência da Justiça do Trabalho, cabe a esse ramo do judiciário julgar os pontos que tratem da elaboração e implementação de políticas públicas pelo município para combate ao trabalho infantil.

Processo estrutural

A ACP retornou à Tangará da Serra em meados de 2022 para julgamento. Devido ao longo período decorrido, o juiz Mauro Vaz Curvo, atual titular da 1ª Vara, chamou o município e o MPT para se manifestarem e, após, informou que, para a solução do conflito, adotaria a técnica do processo estrutural.

O magistrado ponderou que todos os envolvidos no processo – MPT, Município e Judiciário – atuam em busca da melhoria de uma política pública que beneficiará toda a sociedade, em especial às crianças afetadas. “Veja-se que a eventual correção de uma política pública de forma coordenada fomenta a valorização da gestão municipal, concretiza o dever constitucional do Parquet em zelar pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e constitui fator de legitimidade da decisão judicial.”

Ele lembrou que, embora a fiscalização tenha identificado os jovens prejudicados pela falta de política pública do município há mais de 10 anos, a ACP não se prende ao passado e sim busca a tutela inclusive daqueles que ainda não nasceram, pois a reestruturação de uma política governamental tem o poder de alterar as gerações futuras e com efeitos em outros setores, sobretudo na família, no emprego e na dignidade. “Nesse sentido, a melhor e mais moderna forma de lidar com o mencionado litígio se dá através da técnica processual adequada (princípio da adequação), qual seja o processo estrutural, na qual os sujeitos processuais, juiz e partes, trabalham de forma comparticipativa (modelo cooperativo de condução do processo) buscando o mesmo ideal, mitigando-se, desta forma, a relação “polarizada” da demanda”, justificou.

O processo estrutural, explicou o juiz, é aquele que veicula um litígio que decorre de um problema estrutural, e que tem por finalidade alterar um estado de desconformidade, por um estado de coisas ideal. “Em síntese, tal modelo pressupõe duas fases distintas: uma decisão indicando a finalidade do processo, no caso, a modificação da política pública e, em seguida, outras decisões em cascata que buscarão a solução do objeto”, esclareceu.

Desse modo, avaliou que, no primeiro momento, seria essencial um diálogo para identificar a real situação para, em um segundo momento, em cooperação com as partes, adotarem-se as medidas necessárias para a superação do problema estrutural. Novas audiências foram marcadas, sendo chamados representantes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, conselho tutelar, Secretaria de Assistência Social. Relatório atualizado sobre a questão do trabalho infantil a partir de dados dos últimos cinco anos registrados nos conselhos e outros órgãos, como da Polícia Civil, foi juntado ao processo.

O resultado dos esforços foi alcançado no último dia 3 de maio, com a homologação de um acordo em audiência de conciliação na 1ª Vara de Tangará da Serra, conduzida pelo juiz titular.

Compromissos

O acordo firmado prevê uma série de obrigações, assumidas pelo município de Barra do Bugres. Entre os compromissos, os gestores se comprometeram a realizar a capacitação dos conselheiros tutelares e profissionais dos centros de assistência social como CRAS e CREAS. Os cursos deverão alcançar os profissionais da saúde e educação para capacitá-los a identificar e atender crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.

O município também deverá implementar, em parceria com as entidades da sociedade civil e demais órgãos públicos, ações de busca ativa para a identificação e o resgate de crianças e adolescentes em situação de trabalho proibido. A iniciativa deve envolver ainda agentes comunitários de saúde, professores e outros profissionais que trabalham nas escolas.

Deverá ainda fazer a fiscalização ostensiva para impedir o trabalho de crianças e adolescentes em lixões e promover o acompanhamento das famílias e garantir que elas sejam atendidas por, pelo menos, um dos seguintes aparatos sociais: CRAS, CREAS, BOLSA FAMÍLIA, Mais Educação, Escola em Tempo Integral e Aprendizagem Profissional.

O acordo prevê que essas ações sejam implementadas em um prazo de 180 dias, a contar da homologação do acordo judicial.

Confira a íntegra do acordo

PJe 0000589-86.2011.5.23.0051

Com informações do TRT23

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