A Ação Nacional de Identificação e Documentação Civil para pessoas privadas de liberdade chegou, na última semana, a 22 estados do país, com adesões no Pará, Amapá, Amazonas, Rondônia e Rio Grande do Sul. O objetivo é criar fluxos permanentes com instituições locais e nacionais para a emissão de documentos a partir da confirmação da identidade civil das pessoas em situação de privação de liberdade, conforme define a Resolução CNJ n. 306/2019. Até o fim deste semestre, a ação chegará a todo o país – os próximos estados são Espírito Santo, Paraná, São Paulo, Goiás e Santa Catarina.
“As situações de vulnerabilidade social em que se encontram pessoas que tiveram contato com o cárcere acabam por afastá-las de alguns de seus direitos cidadãos mais fundamentais, como ter sua identidade civil reconhecida através da documentação. Articulada de forma estratégica com diversos atores, essa iniciativa é o que possibilita uma pessoa egressa dar seus primeiros passos na retomada da vida em liberdade, conseguindo acessar programas de trabalho e renda, estudo e benefícios sociais”, pontua o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi.
O juiz auxiliar da presidência do CNJ, João Felipe Lopes, salienta a importância da articulação entre os diversos atores para o sucesso da Ação. “São mais de 150 parceiros articulados ao longo de três anos, coordenados pelo CNJ, empenhados para essa iniciativa pioneira na América Latina. O que estamos vendo em implantação, agora, é fruto desse esforço coletivo”, complementa o magistrado.
A iniciativa é uma das 29 frentes trabalhadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do programa Fazendo Justiça, uma parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e importante apoio Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Em 2017, dados do Executivo federal coletados em 14 estados indicavam que oito entre dez pessoas privadas de liberdade não tinham documento em seus prontuários. Em oficinas realizadas pelo programa Fazendo Justiça, a ausência de documentos é constantemente citada como um dos principais entraves para a retomada da vida fora do cárcere. Desenvolvida em conjunto com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), a iniciativa facilita o acesso de pessoas recém-egressas a políticas de cidadania – como inclusão em programas de saúde, educação e trabalho – e conta com mais de cem parceiros em todo o país.
A ação vem sendo implementada em etapas, que incluem a integração de bancos de dados biométricos dos estados à Base de Dados da Identificação Civil Nacional (BDCIN), mantida pelo TSE; a articulação com atores-chave para organização do fluxo de emissão; e a aquisição e envio de mais de 5 mil kits biométricos para todo o país. Para o assessor-chefe de Gestão de Identificação do TSE, Iuri Camargo Kisovec, o trabalho tem gerado resultados importantes para a identificação da população em privação de liberdade. “Essas pessoas precisam ser cadastradas e ter acesso a direitos públicos básicos”.
Antes do lançamento oficial da ação, equipes técnicas do CNJ e do TSE apoiam a instalação e realização de testes dos equipamentos. Este é o momento em que são realizados os treinamentos das pessoas envolvidas com a coleta dos dados e a identificação civil. Desse modo, ficam estabelecidas as bases para o funcionamento de fluxos constantes para emissão de documentos.
Documentação e vida pós-cárcere
No Pará, o presidente da corte em exercício, desembargador Roberto Gonçalves de Moura, salientou que “sem identificação civil, as pessoas se perpetuam à margem da sociedade, não apenas pela marca que carregam como encarceradas e egressas do sistema penal, mas também porque, sem documentos, elas não têm acesso às políticas que podem ajudá-las na vida pós-cárcere”.
Já no Amapá, em março, o vice-presidente do tribunal, desembargador Mário Mazurek, relembrou um caso de quando era juiz eleitoral e foi procurado por um rapaz ao falar sobre a importância do acesso à documentação. “Ele contou que foi ao banco pedir um financiamento, mas disseram que para isso ele precisava do título da terra. Depois foi à prefeitura, e lá disseram que, para isso, precisava ter CPF. Na Receita Federal, disseram que para ter CPF precisava de Título de Eleitor e, chegando lá comigo, no Cartório Eleitoral, precisamos dizer que para atendê-lo precisaria do Certificado de Reservista. A maioria das pessoas não entende a importância desses documentos”.
Durante o lançamento no Amazonas, a supervisora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do tribunal, desembargadora Luiza Cristina Marques, apontou que 40% da população carcerária do estado não dispõe de nenhum tipo de documento de identificação civil. “Esta ação, portanto, revela-se um instrumento importantíssimo de efetivação do direito fundamental, devolvendo à pessoa o exercício de sua cidadania”.
Ao ser lançada no Rio Grande do Sul, a ação foi elogiada pela presidente do TJRS, desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, ao garantir mais proximidade do Judiciário com o jurisdicionado e suas necessidades para exercício da cidadania. “O Poder Judiciário do século 21 não limita a sua atuação ao julgamento de processos. Cada vez mais, vem buscando se aproximar da sociedade, estabelecer canais de diálogo permanente e construir soluções em conjunto para os desafios contemporâneos”.
Em Rondônia, o juiz auxiliar da presidência do TJRO, Guilherme Baldan, falou sobre a importância da ação e do acesso a documentos para promoção de direitos. “Nossas palavras são de agradecimento, por proporcionar a concretização de cidadania”.
Atuação em conjunto
Além das ações voltadas à identificação e documentação civil, a comitiva do CNJ realizou reuniões de trabalho a respeito de outras ações voltadas ao sistema carcerário e de medidas socioeducativas em curso nos estados. Proporcionalidade penal, sistema socioeducativo, cumprimento da pena e socialização foram alguns dos temas mais frequentes nos encontros, com foco no andamento das ações em parceria com o programa Fazendo Justiça.
“Pudemos dialogar com parceiros locais pensando todas as ações tanto de monitoramento e fiscalização do sistema carcerário como também do Programa Fazendo Justiça e seus diferentes eixos. Os encontros foram bastante produtivos e tenho certeza de que trarão bons frutos em seguida”, ressaltou a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Souza, durante missão ao Pará.
Com informações do CNJ