A recente declaração do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, de que o Tribunal julgou “sob violenta emoção” casos do 8 de janeiro, em referência especial à elevada pena aplicada à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou “perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, merece atenção redobrada da comunidade jurídica e da sociedade.
Ao afirmar que presenciou a destruição do próprio gabinete, mas que “juízes têm sempre de refletir sobre os erros e acertos”, Fux expôs com rara franqueza o que pode ter sido uma rachadura na muralha de imparcialidade que deve guiar os julgamentos — especialmente quando o clamor é estrondoso. Não deveria ser, mormente da Justiça.
No campo penal, a “violenta emoção” é uma categoria jurídica que pode explicar — e às vezes atenuar — comportamentos humanos praticados em situações-limite. O Código Penal, por exemplo, admite a redução da pena nos crimes cometidos sob esse estado. No entanto, quando transposta para o exercício da jurisdição, a emoção — ainda que compreensível — não pode se converter em lente de aumento da punição nem em justificativa para o relaxamento de garantias fundamentais.
A toga, por sua própria simbologia, exige distanciamento emocional. É por isso que a figura da Justiça é representada com os olhos vendados: para lembrar que juízes devem ser cegos às paixões, às vinganças e aos apelos do momento. Quando a jurisdição se deixa guiar pela emoção, mesmo que nascida de uma tragédia institucional, corre-se o risco de confundir justiça com revanche — e, nessa confusão, dilui-se o próprio pacto civilizatório.
A fala de Fux rompeu com a unanimidade até então mantida na Primeira Turma em torno do ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos mais delicados envolvendo os atos golpistas e a delação de Mauro Cid. Essa divergência é saudável. Em cortes constitucionais, a pluralidade de visões é não apenas esperada, mas essencial. Ela impede que o direito se transforme em trincheira ideológica ou em reflexo de ressentimentos.
Diante disso, é hora de refletir: a Corte Constitucional brasileira, ao julgar os atos do 8 de janeiro, esteve à altura da serenidade que a história exigia? Ou permitiu que o justo repúdio à barbárie institucional contaminasse a balança da justiça? A pergunta não tem resposta simples, mas a advertência de Fux é clara — e, por isso mesmo, valiosa: mesmo diante da violência, o juiz não pode perder a compostura. Afinal, é da razão — e não da emoção — que se espera a última palavra.
Por João de Holanda Farias
O Autor é advogado e Promotor de Justiça Aposentado do MPAM