O STJ vem consolidando o entendimento de que condenações criminais não podem ser exclusivamente fundamentadas em depoimentos de policiais.
Por avaliar que houve violação do direito ao silêncio e uma série de injustiças decorrentes da origem social do acusado, a 6ª Turma da corte superior absolveu, em junho de 2023, um jovem que foi condenado por tráfico de drogas apenas com base no depoimento de policiais que fizeram a prisão em flagrante (Recurso Especial 2.037.491).
De acordo com o colegiado, o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) adotou raciocínio enviesado ao considerar como verdade incontestável a palavra dos policiais que fizeram a abordagem, adotando, assim, interpretação que considerou mentirosa a negativa do acusado em juízo. Essa postura teve seu ponto de partida no silêncio do acusado na fase investigativa.
Relator do caso, o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que o TJ-SP cometeu “injustiça epistêmica” ao atribuir excesso de credibilidade aos depoimentos dos policiais e ao desvalorizar a palavra do réu, um jovem negro e pobre. A injustiça epistêmica ocorre quando um ouvinte, por preconceito, atribui a um falante um nível de credibilidade que não corresponde às evidências de que ele esteja falando a verdade, conforme conceito formulado pela filósofa Miranda Fricker.
“O tribunal incorreu em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao testemunho dos policiais, seja pela injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar como sujeito de direitos”, afirmou Schietti.
Em outro caso, a 5ª Turma do STJ anulou, em 2022, uma condenação do TJ-RJ baseada apenas em depoimentos de policiais e fundamentada na Súmula 70 (AREsp 1.936.393). Relator da matéria, o ministro Ribeiro Dantas propôs limitar a presunção de validade dessa prova: a palavra do agente público tem fé pública, mas sua validação como prova dependerá da gravação em áudio e vídeo do momento da abordagem para demonstrar qualquer dos elementos do crime.
Em voto-vista, o ministro Joel Ilan Paciornik divergiu. Para ele, não se pode supervalorizar, tampouco desvalorizar, o testemunho do policial. Em vez disso, essa prova deve ter o mesmo valor de qualquer outro testemunho levado aos autos. Ao juiz, caberá valorar o conteúdo junto com os demais elementos dos autos para aí, sim, determinar a importância da prova.
O julgamento na 5ª Turma, porém, terminou sem uma definição clara sobre qual das posições deveria prevalecer. Isso porque ambos os votos tiveram a mesma conclusão no caso concreto: entenderam que o réu por tráfico de drogas deveria ser absolvido. E os demais ministros prometeram reflexão sobre o tema.
Por considerar pouco críveis os relatos de policiais, a 6ª Turma do STJ trancou, em fevereiro, a ação penal contra um homem acusado de tráfico de drogas depois de ter sua residência invadida pela polícia (HC 861.086).
Os ministros entenderam que a experiência e o senso comum tornam difícil acreditar que uma pessoa atende ao chamado de policiais, autoriza a entrada deles em casa, confessa que faz parte de uma facção criminosa e indica em qual cômodo armazenou grande quantidade de drogas.
A 3ª Seção do tribunal, por sua vez, deve analisar neste ano o caso que discute a condenação de réu por furto baseada apenas em confissão extrajudicial informal, obtida pelos policiais no momento da prisão, e em reconhecimento fotográfico que não seguiu as exigências legais (AREsp 2.123.334). O STJ entende que o reconhecimento, nessas condições, não pode servir de base para uma condenação — a particularidade do caso é a confissão extrajudicial informal.
Com informações Conjur