Morte causada por erro na execução mantém absolvição por legítima defesa no Amazonas

Morte causada por erro na execução mantém absolvição por legítima defesa no Amazonas

Por duas vezes, nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, a conduta do agente consistiu em fato que se amoldou ao tipo penal do artigo 121 do CP – Matar alguém – como narrado na denúncia. Mas a instrução criminal revelou que o acusado Paulo Júnior deveria ser absolvido. O tema firmou jurisprudência no Tribunal do Amazonas, com instituto jurídico de direito penal benéfico ao agente, utilizado em primeira e confirmado na segunda instância ante amparo de provas que permitiram, inclusive, a absolvição sumária do acusado. Legítima defesa num dos crimes e acidente na execução dessa defesa no segundo crime. Foi Relator Jomar Ricardo Saunders Fernandes. 

O acusado, e outros militares, no dia dos fatos, saíram em perseguição a suspeitos de prática de roubos e que estavam conduzindo uma motocicleta. Os alertas sonoros de parada soados pela viatura não foram suficientes para que os meliantes parassem. Mas a moto derrapou, e os elementos caíram ao chão, com troca de tiros com a polícia. Na tentativa de escapar da ação policial, um dos assaltantes ingressou numa residência, no bairro Amazonino Mendes, e fez uma vítima refém. Tumulto e troca de tiros. Bandido morto, mas, uma jovem também veio a óbito, sem que nada tivesse com a história, sendo atingida pelos disparos da arma do policial que ficou na condição de réu na justiça. 

O juízo do Tribunal do Júri concluiu que o acusado Paulo Júnior deveria ser absolvido sumariamente das imputações contidas na denúncia, pois, ao perseguir os meliantes teria agido no estrito cumprimento do dever legal, perseguindo bandidos armados, e que fizeram uma pessoa refém.

O tiro fatal que deu casa à morte da vítima Sônia, na visão jurídica do magistrado primevo, não lhe era direcionado, pois teria como alvo o bandido que havia invadido a sua casa, assim, o policial havia agido em legítima defesa de terceiro, pois o meliante mantinha sob refém o irmão da vítima. Tiros cujo alvo era o meliante e o acertaram, sobrevindo a sua morte, por acidente também mataram terceira pessoa, porém sem esse propósito. Logo, o dolo exigido para a configuração do homicídio, de plano, foi afastado em relação aos dois crimes.

O erro na execução teria se evidenciado pelo fato de que o alvo fora o meliante, e não a vítima inocente, mas o dolo foi afastado em ambas as situações, uma pela legítima defesa de terceiro, a outra, por ter sido, por erro, abrangida por causa de exclusão de ilicitude. 

O Ministério Público recorreu, e alegou que houve uma perseguição imprudente e imperita em face de um suspeito que teria praticado o roubo de um celular, e, assim efetuando disparos de arma de fogo em uma avenida de grande movimento, sem qualquer cautela. Alegou ainda que a legítima defesa não foi demonstrada à evidencia para resultar em absolvição sumária, e pediu a anulação da sentença. A defesa refutou todos esses fundamentos. 

Porém, a jurisprudência do TJAM firmou que o acusado, no exercício de sua função policial militar, utilizou, moderadamente, dos meios necessários tanto para repelir os disparos efetuados contra si por um criminoso, quanto para salvaguardar a vida de terceiro, posteriormente feito de refém durante a perseguição. 

“O fato de o acusado, para proteger sua vida, ter atingido com um disparo uma jovem inocente, caracteriza hipótese de aberratio ictus – erro na execução, não afastando a excludente de ilicitude da legítima defesa, por força do artigo 73 do Código Penal . Em relação ao infrator que veio a óbito, indubitável que a conduta do policial militar se revelou como o único meio eficaz para fazer cessar o iminente risco à incolumidade da vítima mantida como refém na ocasião”, firmou a jurisprudência em definitivo. 

Pode, então ocorrer erro na execução (art. 73 CP) numa causa justificativa, pois, o agente, ao repelir injusta agressão de outrem, atingindo um terceiro inocente por mero acidente ou erro no uso dos meios de execução, nem por isso deixa a justificativa penal de ser admissível, se comprovado, uma vez que quem age em legítima defesa pratica um ato lícito. No erro da execução do fato típico, o próprio artigo 73 do CP determina que o agente responda como se o estivesse praticando contra a pessoa que pretende atingir, que, no caso concreto, foi o autor de uma agressão injusta”.

Processo nº 0229101-25.2014.8.04.0001

Leia o acórdão:

Apelação Criminal Nº 0229101-25.2014.8.04.0001 APELANTE: Ministério Público do Estado do Amazonas APELADO: Paulo júnior RELATOR: Desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes REVISOR: Dra. Onilza Abreu Gerth (Juíza convocada) EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA ACUSAÇÃO. DUPLO HOMICÍDIO COMETIDO POR POLICIAL MILITAR CONTRA CIVIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. DOLO EXISTENTE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA COM ABERRATIO ICTUS SEGUIDA DE LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO. COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

 

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