Empresa agroflorestal é condenada em R$500 mil por descumprir lei de cotas

Empresa agroflorestal é condenada em R$500 mil por descumprir lei de cotas

A Vara do Trabalho de Capanema condenou a Mejer Agroflorestal a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de meio milhão de reais. A medida veio após descumprir regras de cotas para pessoas com deficiência e reabilitados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A empresa atua no cultivo, extração e refino de óleo de palma e palmiste na região nordeste do Pará.

Em sua decisão, a juíza do Trabalho Camila Afonso de Nóvoa Cavalcanti analisou as denúncias da ação civil pública do Ministério Público do Trabalho PA-AP. Nela, o MPT apontou o descumprimento de diversas obrigações trabalhistas relacionadas ao descumprimento da cota destinada às pessoas com deficiência definida no artigo  93 da Lei 8213/91.

Durante a defesa, a empresa afirmou que a acusação não procede e que vem realizando diversos esforços no sentido de buscar o cumprimento da cota legal em favor das pessoas com deficiência. Porém, estaria enfrentando dificuldades para encontrar trabalhadores com o referido perfil. Alegou ainda que o empreendimento está em local com poucos habitantes e distante dos centros urbanos.

Independente do trânsito em julgado da decisão, ou seja, das possibilidades de recurso existentes, a magistrada determinou a manutenção da cota de 2% a 5%  dos seus cargos com pessoas com deficiência habilitadas ou com beneficiários reabilitados, considerando a universalidade de empregados contratados. A empresa não poderá dispensar nenhuma pessoa com deficiência ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 dias. Também não poderá haver dispensa sem motivo em contrato por prazo indeterminado sem a prévia contratação de outro trabalhador com deficiência ou reabilitado. A multa diária por descumprimento será de R$ 5 mil.

Foi acatado também o pedido do MPT de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 500 mil. O montante pode ser revertido a uma entidade, preferencialmente que tenha como finalidade a proteção das pessoas com deficiência, que será indicada posteriormente pelo MPT.

A juíza ouviu as declarações de Hedney Conceição dos Santos, única testemunha indicada pela empresa e determinou que os autos do processo sejam encaminhados para o Ministério Público do Estado. Isso porque as falas podem configurar um episódio de capacitismo, crime previsto no artigo 88 da Lei nº 13.146/15.

Camila Afonso descreve na sentença que o depoimento da testemunha “foi permeado de justificativas vazias e de preconceito e discriminação contra pessoas com deficiência, o que demonstra de plano que a empresa demandada não tem nenhum programa de conscientização de seus funcionários”. O agravante, segundo ela, é o fato da testemunha declarar que participa das entrevistas para contratação de pessoas com deficiência.

Preconceito – Na decisão, a juíza diz que a deficiência “está principalmente na sociedade, que impõe barreiras culturais, tecnológicas e atitudinais, tentando frustrar o pleno gozo dos direitos e garantias fundamentais”. Ela ressalta que a discriminação também acontece na recusa da adaptação razoável, ou seja, a “modificação necessária e adequada para assegurar a inclusão das pessoas com deficiência”.

A Lei 8213/91 estabelece cotas que devem ser preenchidas sempre que a empresa tiver mais de cem empregados, sem exceção. No entanto, não basta a mera contratação, “sendo necessário que o empregador mude sua atitude com relação à inclusão, adequando seu ambiente de trabalho, designando as funções de acordo com as deficiências, dando treinamento eficaz para que a pessoa com deficiência seja considerada parte integrante da empresa e educando os demais empregados, inclusive gestores, para que aprendam a lidar e a respeitar as diferenças”, pontua.

A magistrada critica a ausência de ações afirmativas, de treinamento para as pessoas com deficiência contratadas e para os gestores, além da falta de um trabalho de conscientização dos funcionários em geral. Essas falhas prejudicam a rotina de trabalho da pessoa com deficiência, que acaba sendo vista como insubordinado ao solicitar adequações ou sinalizar que não tem condições de realizar determinada atividade.

É uma realidade que, segundo a juíza, explica algumas rescisões por iniciativa dos próprios empregados com deficiência ou reabilitados, “que se sentem inadequados e incapazes de desenvolver um bom trabalho, o que pode os afetar de tal forma que a única saída encontrada é o pedido de demissão”, alerta. Inclusive, três dos quatro empregados exemplificados na ação foram dispensados sem justa causa com as justificativas de que não tinham mais intenção de permanecer na empresa, além de conflito com seus supervisores e baixo desempenho.

“A reclamada não demonstrou, em momento nenhum, que faz o acompanhamento adequado dos empregados com deficiência ou reabilitados, o que deveria ser realizado por uma equipe multidisciplinar ou, no caso da impossibilidade, o que, a princípio, não é crível considerando a potência da reclamada, de uma psicóloga e uma assistente social. Aliás, tal acompanhamento, inclusive no momento da rescisão, poderia fazer com que esses empregados que se sentem inadequados mudassem de ideia e continuassem na empresa”, critica a juíza.

Irregularidades – A sentença aponta que não houve a imediata contratação de empregados com deficiência após a rescisão de outros empregados nas mesmas condições.

Camila Afonso citou o registro do MPT na denúncia, de que a tentativa de contratação de pessoas com deficiência ou reabilitadas não deve se limitar a anúncios em meios de comunicação (jornais e rádios), divulgação interna e encaminhamento de ofícios a órgãos, organização e entidades de apoio à pessoa com deficiência.

Ao invés da divulgação genérica, o correto é divulgar as vagas “em locais em que as pessoas com deficiência ou reabilitadas tenham acesso, frequentem, demonstrando, inclusive, que já existe, naquele estabelecimento, a adequação necessária das funções e atividades a serem desenvolvidas como uma forma do local de trabalho ser mais atrativo para pessoas que já enfrentam, algumas vezes desde a infância, toda sorte de dificuldades no seu cotidiano”, explica a magistrada.

Também foi apontado que a empresa descumpre a política de cotas por muito tempo, tendo apresentado diversas justificativas durante o inquérito que durou aproximadamente três anos. O MPT mencionou que, no início do inquérito, em 2020, a reclamada possuía apenas 19 empregados com deficiência ou reabilitados.

No entanto, desde o ajuizamento da ação, “de forma célere, inclusive, a reclamada conseguiu preencher as vagas destinadas para as cotas de pessoas com deficiência e/ou reabilitadas pelo INSS, fazendo cair por terra toda a sua argumentação inicial. A realidade é que, neste momento, quase um ano após o ajuizamento da presente ação, a empresa ré conseguiu não só preencher, mas superar, a cota prevista legalmente para pessoa com deficiência ou reabilitada”, detalha.

Prevenção – De acordo com a sentença, atualmente são 982 empregados, sendo 62 com deficiência. O cálculo do percentual considera o total de trabalhadores, inclusive os que estão afastados, e não só o número de trabalhadores sem deficiência. “Considerando todo o exposto, entendo que a reclamada não conseguiu justificar a ausência de cumprimento da norma legal por todos esses anos, tendo demonstrado, inclusive, preencher a cota reservada para pessoas com deficiência e reabilitadas em pouco tempo após o ajuizamento dessa ação”.

A magistrada ressalta ainda que, nesse caso, o preenchimento das cotas não impede a condenação da empresa. Esse é um exemplo de tutela inibitória, ou seja, voltada para o futuro, “visando a coibir a prática a repetição ou a continuação do ilícito, o que independe de dano atual”, justifica a juíza, citando regra do artigo 497, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC).

Com informações do TRT-8

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