Câmara do TJ-SP dá salvo-conduto e tranca ação penal por cultivo de cannabis

Câmara do TJ-SP dá salvo-conduto e tranca ação penal por cultivo de cannabis

A indefinição quanto à autorização para cultivo domiciliar de cannabis sativa para fins terapêuticos não pode obstar um tratamento que se mostra plenamente eficaz para amenizar o sofrimento físico e psicológico de um paciente, ante a supremacia do interesse à vida.

Com base nesse entendimento, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu salvo-conduto para impedir a prisão em flagrante de uma mulher que produz em sua casa óleo de canabidiol, a partir da cannabis sativa, para fins medicinais.

Conforma a decisão, a Polícia não poderá destruir as plantas produzidas pela paciente, desde que o cultivo fique restrito ao seu endereço residencial informado nos autos, e mediante o cumprimento de outras condições, como apresentação periódica de relatórios médicos e autorização atualizada junto à Anvisa.

De acordo com os autos, a paciente, de 60 anos, sofre com uma série de problemas de saúde, incluindo crises de pânico e dores musculares, além de ter sido diagnosticada com transtorno do espectro autista. Ela recebeu indicação médica para uso de canabidiol e, por isso, buscou na Justiça o salvo-conduto. Em primeiro grau, o pedido foi negado.

A turma julgadora, por sua vez, concedeu a medida pleiteada, em votação unânime. De início, o relator, desembargador Heitor Donizete de Oliveira, destacou que já há reconhecimento, pela Anvisa, da possibilidade de substâncias extraídas da cannabis sativa serem destinadas para uso medicinal, como é o caso dos autos.

“Diante de toda a documentação apresentada, inclusive com imagens da plantação de cannabis sativa, necessário reconhecer que há patente demonstração de boa-fé e honestidade da recorrente. Caso pretendesse adentrar o mundo da ilicitude e do descumprimento de normas, sem se importar com seus deveres de cidadã, permaneceria na clandestinidade, sem chamar a atenção para si, muito menos para sua residência”, disse.

Para o magistrado, também ficou demonstrado o objetivo da paciente de cuidar da própria saúde com dignidade, tanto que buscou instruir-se para obtenção de extrato de canabidiol, a fim de não colocar a própria vida e a saúde em risco através de experimentos descuidados, sendo que a dignidade humana e o direito à saúde são previstos expressamente na Constituição Federal, e devem ser assegurados pelo Poder Público.

“Não conceder salvo-conduto acarretaria em grave risco ao seu direito à saúde, bem como à sua liberdade, considerando que a obtenção de determinação judicial para que o tratamento com o remédio importado seja custeado pelo Poder Público é demorada, e não seria possível garantir a não interrupção do tratamento, o que prejudicaria o quadro clínico da paciente, enquanto que o tratamento caseiro já é realizado desde 2020, e apresentou resultados positivos”, acrescentou Oliveira.

Trancamento de ação penal
Em outro caso, a mesma Câmara Criminal, por unanimidade, determinou o trancamento de uma ação penal, em curso junto à 1ª Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo, contra um homem por cultivo domiciliar de maconha para fins exclusivamente terapêuticos, diante da falta de justa causa para a persecução penal.

Neste caso, o homem foi preso em flagrante em setembro de 2020 e denunciado com base no artigo 33, § 1º, da Lei 11.343/06. Após a prisão, ele conseguiu um salvo-conduto, concedido em abril de 2021 pela própria 12ª Câmara de Direito Criminal, para cultivar cannabis sativa em casa para fins terapêuticos (tratamento de dores crônicas e depressão).

A juíza de primeira instância negou o trancamento da ação penal, mas o TJ-SP reformou a decisão. “Embora respeitando o entendimento da digna autoridade impetrada, que indeferiu o pedido de trancamento da ação penal, sob o argumento de que o salvo-conduto foi expedido para condutas futuras e não pretéritas, restou patente a falta de justa causa para a persecução penal”, disse o relator, desembargador Paulo Rossi.

Segundo ele, o salvo-conduto foi deferido ao paciente em razão da farta documentação idônea anexada aos autos, como receitas médicas, autorização da Anvisa e exames clínicos. Rossi destacou a “inquestionável eficácia” do canabidiol para tratamento de inúmeros problemas de saúde, incluindo as dores crônicas do acusado.

“O caso em análise aponta para uma colisão entre princípios e valores relevantes: de um lado o direito à saúde e, numa visão mais ampla, a própria dignidade da pessoa humana; de outro, a saúde pública (proibição da posse e consumo de maconha). E, ponderando-se os referidos interesses à luz do princípio da proporcionalidade, há de se dar preferência aos primeiros”, completou.

Rossi citou laudo médico que comprovou a melhora do paciente após o início do tratamento com canabidiol. Para ele, a autorização para o cultivo domiciliar da cannabis para fins medicinais não apenas salvaguarda o direito à saúde, mas também à própria dignidade.

“Embora o paciente tivesse buscado o Poder Judiciário para resguardar seu direito de plantio para extrair a matéria prima dos canabinóides somente após sua prisão em flagrante, diante do contexto apresentado, é fato que ele tinha o único propósito de cultivo para fins medicinais, visando melhorar a qualidade de vida e resguardar sua saúde”, afirmou.

Na visão dele, nada foi apurado nos autos a indicar que o paciente tivesse o intuito de cultivar a matéria-prima com o objetivo de produção de droga para práticas ilícitas. Dessa forma, o relator afastou a culpabilidade do acusado e determinou o trancamento da ação penal.

“Dadas as circunstâncias concretas da causa, a conduta não se reveste de colorido penal por ausência de culpabilidade, enquanto reprovabilidade do comportamento. Mais especificamente, tem-se um quadro de inexigibilidade de conduta diversa”, concluiu Rossi.

Fonte: Conjur

Leia mais

Motociclista perde ação por acidente de trânsito por não conseguir provar culpa de sinalização

A responsabilidade do Estado, conforme o artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, é objetiva apenas quando os danos são causados diretamente...

Pena do tráfico privilegiado deve guardar proporção com as condições pessoais do acusado

Decisão da Primeira Câmara Criminal do Amazonas, com voto do Desembargador José Hamilton Saraiva dos Santos, do TJAM, acolheu recurso de apelação para reduzir...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Motociclista perde ação por acidente de trânsito por não conseguir provar culpa de sinalização

A responsabilidade do Estado, conforme o artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, é objetiva apenas quando...

Justiça rejeita tese de dependência química e condena ex-funcionário de Correios por peculato

A 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou, por unanimidade, os recursos do Ministério Público...

Motociclista será indenizado por condutor que o atingiu em acidente de trânsito

Um motociclista será indenizado por condutor que o atingiu em acidente de trânsito. A decisão foi proferida pelo 1º...

Universidade deve FGTS a trabalhador que teve seu contrato de trabalho considerado nulo

Um homem que foi contratado pela Fundação Universidade de Brasília (FUB) para exercer a função de segurança, após ter...