Tatuagem usada por preso na cadeia pode ser falta grave, mas Justiça ainda não se decidiu

Tatuagem usada por preso na cadeia pode ser falta grave, mas Justiça ainda não se decidiu

O preso se tatuar na cadeia é um tema que tem provocado decisões variadas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), conforme a câmara que o julgue. Apenas neste mês, em três agravos em execução, acórdãos consideraram atípica, falta disciplinar de natureza média e infração grave a conduta do sentenciado que marca o corpo com desenhos.

O assunto ganha relevância pelas consequências jurídicas decorrentes do reconhecimento da falta grave, que são a perda dos dias remidos (artigo 127 da Lei de Execução Penal), a regressão de regime e a interrupção do prazo para a progressão carcerária, nos termos da Súmula 534 do Superior Tribunal de Justiça.

A posição mais severa foi adotada por unanimidade pela 7ª Câmara de Direito Criminal, no dia 17. Sob a relatoria do desembargador Fernando Simão, o colegiado deu provimento ao agravo interposto pelo Ministério Público contra a decisão que absolveu um preso da acusação de falta disciplinar grave.

Segundo o julgador, o reeducando integrado ao sistema prisional está sujeito às regras que o organizam como garantia da efetividade da sanção aplicada e da segurança dos próprios condenados, pois é incumbência do Estado zelar pelo bem-estar e pela saúde da população carcerária.

“Fazer tatuagem, sem os adequados equipamentos técnicos, profissional capacitado, higiene, faz surgir o risco de contaminação por bactérias, não apenas a si, mas também com risco de disseminação a outros reeducandos”, concluiu Simão. Para ele, ao se tatuar ou permitir que fosse tatuado na cadeia, o agravado cometeu falta grave.

Os artigos 50, inciso VI, e 39, inciso V, da Lei de Execução Penal (LEP) embasaram o acordão. O primeiro diz que comete falta grave o preso que “inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei”. O outro aponta como um dos deveres do condenado a “execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas”.

Meio termo
Em outro agravo, interposto pela Defensoria Pública contra decisão que aplicou punições a um preso pela prática de falta grave decorrente de tatuagem no estabelecimento prisional, a 12ª Câmara de Direito Criminal deu parcial provimento e desclassificou a infração para de natureza média.

Julgado no dia 12, o agravo teve como relator o desembargador Heitor Donizete de Oliveira, cujo voto foi seguido pelos colegas de câmara. Conforme o julgador, o reeducando não estava em posse de materiais para confecção de tatuagens, o que afasta a classificação de sua conduta em falta grave.

Oliveira citou o artigo 50, inciso III, da LEP, de acordo com o qual, “comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem”. Porém, o relator ressalvou que a conduta do agravante se amolda como infração média.

O artigo 45, inciso VIII, do Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo (instituído pela Resolução SAP 144/2010) considera falta disciplinar de natureza média “praticar autolesão ou greve de fome isolada como atos de rebeldia”. Para o relator, “a autolesão está configurada, não sendo caso de absolvição pela atipicidade”.

Oliveira explicou não ter objeção com a tatuagem, mas com a sua feitura na cadeia, pelos riscos à saúde e à integridade física do próprio detento, “pois não há assepsia e os mínimos cuidados com a higiene, havendo grande possibilidade de contaminação de infecções e doenças graves, como hepatite e HIV”.

Fato atípico
Uma terceira posição do TJ-SP quanto ao tema foi adotada, por dois votos a um, pela 13ª Câmara de Direito Criminal, ao julgar no dia 10 o agravo interposto pelo MP contra decisão que absolveu um preso da prática de falta grave.

“O princípio da alteridade não permite a punição a condutas que causem autolesão, pois tais condutas não contêm em si a lesividade necessária para permitir a atuação do Estado sobre o indivíduo”, frisou o desembargador Marcelo Semer, relator designado. Por esse princípio, do jurista Claus Roxin, ninguém pode ser punido por causar mal apenas a si.

Semer acrescentou que a ação atribuída ao réu não consta no rol do artigo 45 do Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais de São Paulo, que disciplina as faltas disciplinares de natureza média. “Impõe-se, assim, a manutenção da absolvição do apenado da imputação de falta grave por ausência de tipicidade da conduta”.

Ainda conforme ao julgador, também não é o caso de se enquadrar a conduta do agravado no inciso X (“perturbou a jornada de trabalho ou a realização de tarefas”) ou no XIV (“inobservância aos princípios de higiene pessoal, da cela e das demais dependências da unidade prisional”) do artigo 45 do regimento da SAP.

“Não há provas de que a conduta praticada pelo agravado de permitir ser tatuado deixou de observar a higiene pessoal, da cela e das dependências da unidade. Não se deve confundir ato que represente perigo à própria saúde e violação aos princípios da higiene que poderia ocasionar perturbação a terceiros”, destacou Semer.

Por fim, o relator designado observou que as tatuagens apenas foram notadas quando já estavam em fase de cicatrização, em procedimento padrão de checagem dos sentenciados feito por agentes penitenciários, “restando claro que a sua confecção não gerou quaisquer repercussões perturbadoras à unidade”.

Processo 0014688-83.2023.8.26.0996
Processo 0011574-39.2023.8.26.0996
Processo 0014132-81.2023.8.26.0996

Fonte Conjur

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