Inversão do ônus da prova no julgamento da apelação viola direito de defesa

Inversão do ônus da prova no julgamento da apelação viola direito de defesa

A decisão judicial que determina a inversão do ônus da prova – prevista no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – deve ocorrer antes da etapa de instrução do processo; se proferida em momento posterior, deve garantir à parte a quem foi imposto esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – reafirmando a jurisprudência segundo a qual a inversão do ônus da prova é regra de instrução, e não de julgamento – cassou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em processo no qual a inversão só foi adotada na análise da apelação, quando não havia mais a possibilidade de produção de provas.

A controvérsia teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra uma seguradora que, supostamente, usaria documentos falsos para imputar a seus clientes o crime de fraude em seguros e, assim, não pagar as indenizações decorrentes de furto de veículos.

Na primeira instância, a ação foi julgada procedente, com base nas provas contidas nos autos, as quais, segundo o juiz, comprovaram a conduta ilícita e abusiva da empresa. Ao confirmar a sentença, o TJSP afirmou que o caso autorizava a inversão do ônus da prova, com base no CDC, e concluiu que a seguradora “não se desincumbiu do ônus de provar nos autos que seus prepostos não praticaram os atos ilícitos descritos na petição inicial”.

No recurso ao STJ, a seguradora alegou que o TJSP foi omisso ao não se manifestar sobre provas e argumentos de sua defesa.

Omissão revelou negligência na análise do caso

O relator do recurso, ministro Marco Buzzi, reconheceu a omissão e afirmou que, ao deixar de averiguar as questões apresentadas pela seguradora, a corte estadual demonstrou “inegável negligência”, produzindo uma prestação jurisdicional defeituosa, especialmente porque o exame das teses defensivas seria importante para a correta solução da controvérsia.

Além disso – ressaltou o magistrado –, opostamente ao entendimento predominante no STJ, o tribunal paulista, no julgamento da apelação, estabeleceu como fundamento principal e único a inversão do ônus da prova, que não havia sido decidida na primeira instância. Houve, segundo Marco Buzzi, uma “inequívoca violação da regra atinente à inversão do ônus da prova, por importar em verdadeiro cerceamento de defesa e afronta aos ditames legais afetos às regras de instrução e julgamento”.

O magistrado observou que as regras sobre o ônus da prova (artigo 373 do Código de Processo Civil) foram mantidas até o momento da análise da apelação, quando, surpreendendo as partes, o TJSP anunciou a inversão desse ônus, ao fundamento de que os segurados seriam hipossuficientes.

MP não é hipossuficiente para produção de provas

No entanto, o relator considerou que não se pode falar em hipossuficiência – que justificaria a incidência do artigo 6º, VIII, do CDC –, pois a ação foi movida pelo Ministério Público, órgão dotado de vasto aparato técnico e jurídico, que age em nome próprio, e não como representante de uma coletividade específica e determinada.

Marco Buzzi explicou que a inversão do ônus da prova é uma faculdade do magistrado e, quando for o caso, deve ocorrer em momento anterior à sentença, possibilitando à parte onerada a plenitude do direito de produzir a prova considerada necessária.

“A inversão do ônus da prova não é regra estática de julgamento, mas regra dinâmica de procedimento/instrução. Por ser regra de instrução, e não de julgamento, acaso aplicada a inversão do ônus da elaboração das provas, esta deve ser comunicada às partes antes da etapa instrutória, sob pena de absoluto cerceamento de defesa”, concluiu o ministro.

Por unanimidade, a Quarta Turma determinou o retorno dos autos ao TJSP para nova análise da apelação da seguradora, afastada a inversão probatória.

Fonte: STJ

Leia mais

Juros de mora devem ser aplicados desde o dia do ilícito no caso de danos civis extracontratuais

A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) determinou, por meio de decisão relatada pela Desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo,...

Defensoria tem direito a honorários quando derrotar em juízo o próprio Estado do Amazonas

Decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas acolheu recurso de apelação cível interposto em ação ordinária, determinando o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Pensão por Morte é concedida a mulher que matou companheiro em situação de violência doméstica

A Justiça Federal concedeu o benefício de pensão por morte a uma mulher, que era vítima de violência doméstica...

Juros de mora devem ser aplicados desde o dia do ilícito no caso de danos civis extracontratuais

A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) determinou, por meio de decisão relatada pela Desembargadora...

Dupla por tentativa de latrocínio em roubo de 47 kg de ouro de garimpo ilegal

A Justiça Federal no Amazonas condenou um homem e uma mulher por tentativa de latrocínio de 47 quilos de...

Defensoria tem direito a honorários quando derrotar em juízo o próprio Estado do Amazonas

Decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas acolheu recurso de apelação cível interposto em ação ordinária, determinando o pagamento...