Juiz nega pedido de indenização de artista após cessão de estátua ao Museu Pelé

Juiz nega pedido de indenização de artista após cessão de estátua ao Museu Pelé

Ceder algo gratuitamente e depois cobrar por sua utilização é uma conduta contraditória e não comporta posteriores pedidos de compensação pelo suposto uso indevido do bem. Com essa fundamentação, o juiz Fabio Sznifer, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Santos (SP), negou o requerimento de um artista plástico que emprestou uma estátua de sua autoria à Prefeitura de Santos para ser exposta no Museu Pelé. Ele pleiteou ser ressarcido em R$ 100 mil por dano material e ainda receber indenização de R$ 80 mil por dano moral.

“Ressalto que a cessão gratuita confessada pela parte autora, com posterior intenção de cobrar pela cessão da obra, viola a boa-fé objetiva, na conduta parcelar venire contra factum proprium, não havendo espaço à aceitação da tese autoral nesse ponto”, destacou o julgador — o brocardo em latim diz que “ninguém pode comportar-se contra seus próprios atos”. Sznifer destacou que não foi estipulado pelo autor um limite de tempo e espaço para a utilização da estátua do Rei Pelé, e, “diante da cessão operada, a gratuidade e o uso eram presumidos”.

O artista plástico também alegou violação ao seu direito autoral, previsto na Lei 9.610/1998, porque na exposição de sua obra no Museu Pelé não houve a indicação de autoria. Outra afronta à legislação especial, conforme o requerente, dizia respeito à suposta modificação que a estátua teria sofrido, mediante a colocação de uma máscara de proteção facial no rosto da escultura de 1,73 metro de altura, produzida com chapas laminadas de alumínio.

O juiz, porém, não vislumbrou ofensas ao direito autoral do demandante. “O que ocorreu foi a mera colocação de máscara na obra (sem desnaturá-la), em alusão ao incentivo à utilização deste acessório pela sociedade local em razão da pandemia da Covid-19 que assolou o mundo. A ideia assim caminhou, ao olhar atento, na direção de aproveitar a exposição da obra para conscientizar a população sobre hábitos de proteção à vida e à saúde da população em geral, diante de grave situação de saúde pública, contemporânea à época, sem qualquer alteração da essência da obra.”

Sobre a omissão do museu em indicar na estátua do Rei Pelé quem é o seu autor, Sznifer avaliou que ela, por si só, não caracteriza violação a direitos autorais, “especialmente porque no presente caso a utilização foi devidamente autorizada, diante da cessão realizada, na qual a parte autora transferiu à requerida o direito de utilização da obra”. Além disso, o artista não comprovou ter feito à prefeitura qualquer exigência do uso de seu nome, pseudônimo ou sinal convencional.

Conforme a inicial, em agosto de 2012 o autor cedeu a estátua do Rei Pelé à Secretaria de Turismo de Santos para uma “temporada curta de exposição”. Quando a obra foi levada ao Museu Pelé, o requerente ofereceu a sua compra ou locação, mas o município teria recusado as duas hipóteses com a justificativa de não possuir verba. Mesmo assim, de acordo com o artista, a escultura continuou exposta sem qualquer contrapartida financeira. A prefeitura negou ter desrespeitado os direitos do requerente, afirmando que nunca se opôs à retirada da obra e nem se beneficiou de sua posse.

A ação só foi ajuizada em abril do ano passado, sendo a prefeitura expressamente interpelada pelo artista apenas no mês anterior. Não houve a demonstração de que, antes, a exposição da estátua fora condicionada a uma contraprestação pela ré. “É incontroverso que o autor, conforme confessado, cedeu a obra para uso da municipalidade mediante contrato verbal. A cessão, pois, dos direitos patrimoniais, no caso, é inequívoca. De outro lado, o autor não comprova que a estátua foi cedida para exposição por tempo determinado e para exposição certa”, observou o juiz.

Além disso, o artista não comprovou que a municipalidade se recusou a devolver a estátua. Ao contrário, ele admitiu que um representante da prefeitura, em reposta à sua notificação, informou por telefone que a estátua não seria mais exposta no Museu Pelé, estando liberada para ser retirada. Contudo, o autor confessou expressamente nos autos que não foi buscar a obra.

Diante desse cenário, a ação foi julgada improcedente em relação aos danos materiais e morais alegados. “As indenizações pretendidas não são cabíveis, na medida em que, não tendo havido conduta ilícita da ré, estão ausentes os pressupostos da responsabilidade civil. Vale recordar que a norma civil é clara ao estabelecer o dever de indenizar àquele que cometer ato ilícito”, concluiu o julgador.

Em razão do atual interesse manifestado pelo autor de proibir a utilização da estátua, Sznifer condenou a prefeitura a se abster de promover a exposição da obra. Além disso, havendo interesse do autor na retomada da escultura do Rei Pelé, deverá a requerida promover a sua devolução, cabendo ao requerente arcar com os custos para buscá-la.

Processo 1010000-39.2022.8.26.0562

Com informações do Conjur

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