Moraes cassa decisão de juiz de Manaus por não observar paradigma do STF

Moraes cassa decisão de juiz de Manaus por não observar paradigma do STF

O Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, cassou uma decisão do juiz Roberto Hermidas de Aragão, da 20ª Vara Cível, que consistiu em determinar a remoção de centenas de pessoas de uma área de terras situadas na Av. 7 de maio, no Bairro Santa Etelvina, em Manaus, na Comunidade Fortaleza, por descumprimento de requisitos vinculativos emanados da Suprema Corte para o deferimento da medida de reintegração de posse. 

Na liminar concedida por meio de uma Reclamação Constitucional ajuizada pelo advogado Bruno Infante Fonseca, que representa um grupo de pessoas da área em conflito,  fundamentou que a decisão judicial reclamada descumpriu as condicionantes impostas em julgado que declarou haver a necessidade de se observar ser preceito fundamental a proteção de pessoas em estado de vulnerabilidade social, especialmente por não haver informações de que as famílias desalojadas da área tivessem possibilidade de se abrigarem em local hábil para o atendimento de suas necessidades de habitação. 

Segundo Moraes se impõe que os juízes obedeçam paradigma do STF nesses tipos de liminares,  o que não foi observado na decisão reintegrativa de posse concedida pela 20ª Vara Cível, que não teria adotado os critérios previstos na medida cautelar deferida na ADPF 828, sob o relato do Ministro Luís Roberto Barroso, por se constituir em ato vinculativo da Suprema Corte que não possa ser desrespeitado. Importa que o judiciário  atente para um prévio planejamento nesse tipo de questão, no sentido de acolher ou realocar famílias envolvidas no processo de reintegração de posse, realocando-as  em moradia com condições condignas e sanitariamente adequadas. 

A decisão do Ministro se compatibiliza com fundamento defendido pelo Ministro Barroso, no sentido de que ‘os direitos de propriedade, possessórios e fundiários precisam ser ponderados com a proteção da vida e da saúde das populações vulneráveis, dos agentes públicos envolvidos nas remoções e também com os riscos de incremento da contaminação para a população em geral’.  

Os fundamentos ainda decorrem da crise pandêmica, período no qual a Suprema Corte brasileira usou de dispositivos constitucionais para impedir despejos e reintegrações.  A tese foi a de que a propriedade deve cumprir a sua função social. Ocorre que a crise pandêmica passou.

A Organização Mundial da Saúde já declarou o fim do estado de emergência sanitária da covid-19. Mas o STF dá o tratamento de que nesse tipo de decisão deva haver sempre a análise sobre dois direitos constitucionais, a uma o direito de propriedade e, à duas, o direito à moradia.

Haverá sempre, segundo o STF, a preocupação, mormente por parte do Judiciário,  que se efetuem diligências no sentido de dar proteção ao direito fundamental de moradia/ princípio da dignidade da pessoa humana, que devem ser tratados em conjunto, harmonicamente. 

Em Manaus, a Justiça determinou o recolhimento do mandado de reintegração de posse, face à anulação do ato, se impedindo o despejo de 158  adultos e 106 crianças, o que corresponderia ao total das pessoas que ficariam desalojadas. A decisão foi comunicada aos servidores encarregados de dar cumprimento à decisão, determinando-se a devolução do mandado expedido. 

Leia a decisão:

RECLAMAÇÃO 59.486 AMAZONAS  RELATOR  MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
RECLTE: RAI MOTA BARROS E OUTROS ADVOGADO: BRUNO INFANTE FONSECA
RECLADO:  JUIZ DE DIREITO DA 20ª VARA CÍVEL DE MANAUS DECISÃO Trata-se de Reclamação, com pedido de liminar, ajuizada por Raí  Mota Barros e outros contra decisão proferida pelo Juízo da 20ª Vara  Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus/AM (Processo 0411519-13.2023.8.04.0001), que teria deixado de observar as determinações proferidas por esta CORTE na cautelar da ADPF 828 (Rel.
Min. ROBERTO BARROSO). Na inicial, a parte Reclamante expõe as seguintes alegações de fato e de direito: […] No caso, assiste razão jurídica à parte reclamante. Consta que os proprietários tiveram ciência da ocupação em 23/1/2023 (eDoc. 34, fl. 1). Na inspeção judicial, foi levantado o quantitativo de 158 adultos e 106 crianças e a existência de “apenas uns 05 imóveis em alvenaria, uns em andamento e outros com as obras paradas, e em apenas um imóvel de alvenaria […]. No local existe um ‘chapéu de palha’, 01 igreja cercada até a metade de PVC e coberta de telha de fibrocimento, 01 outra igreja evangélica bem mais modesta, cercada de lona e telha de alumínio e coberta com telha de fibrocimento, e 02 comércios simples, de compensado e cobertos com telhas fibrocimento. Em todos os ‘barracos’ possui água e energia elétrica, mas de forma ‘clandestina’ […] Ao total, existe aproximadamente 168 barracos de compensado, madeira, lona e PVC, e umas 05 casas em alvenaria, umas em construção e outras com obras paradas, além de aproximadamente  40 lotes demarcados sem nenhuma construção ” (e Doc. 34, fls. 18-19). Buscou-se, com a concessão da liminar na ADPF 828, a proteção dos direitos à moradia e à saúde de pessoas em situação de vulnerabilidade.  Desse modo, ficou consignado que ‘os direitos de propriedade, possessórios e fundiários precisam ser ponderados com a proteção da vida e da saúde das  populações vulneráveis, dos agentes públicos envolvidos nas remoções e também com os riscos de incremento da contaminação para a população em geral’. Inaugurado o regime excepcional de retomada das desocupações de áreas abrangidas nos requisitos da ADPF 828-MC, tem-se a necessidade de observação, pelo Poder Judiciário, dos requisitos estabelecidos na medida cautelar para o cumprimento do ato, especialmente a realização de audiências prévias de mediação com os ocupantes e o estabelecimento de medidas locais para realocação das famílias  hipossuficientes estabelecidas na área a ser desocupada. Essa orientação foi reafirmada na 4ª Tutela Provisória Incidental na ADPF 828, na qual estabeleceu parâmetros para a retomada das medidas administrativas e judiciais de reintegração de posse, a fim de evitar o risco de convulsão social. Do que consta dos autos, não há indicação de observação ou determinação para que se observem os requisitos constantes da ADPF 828-MC, de acolhimento ou realocação das famílias envolvidas no processo de reintegração de posse em moradia com condições dignas e sanitariamente adequadas. Nesse cenário, mesmo após a superação da fase aguda da crise sanitária promovida pela pandemia de COVID-19, a decisão reclamada, que reafirmou a ordem de reintegração de posse, sem observar os critérios adotados na medida cautelar deferida na ADPF 828 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO) corroborado pelo regime de transição decidido na 4ª Tutela Provisória Incidental, incorreu em clara ofensa à ratio decidendi da referida ação paradigmática, qual seja: resguardar os direitos à moradia e à saúde de pessoas em situação de vulnerabilidade. Portanto, diante da inexistência de informações de local hábil assentar as famílias eventualmente desalojadas, nos termos do que preconizado na ADPF 828 MC, evidencia-se ser o caso de cassar a ordem de desocupação. Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE o pedido, de forma que seja cassada a ordem de desocupação, por descumprimento das condicionantes impostas na 4ª Tutela Provisória Incidental na ADPF 828. Nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria- Geral da República. Publique-se. Brasília, maio de 2023. Ministro ALEXANDRE DE MORAES- Relator
 
 
 
 

 

 

Leia mais

MPAM abre inscrições para processo seletivo de estágio nesta sexta (26)

O Ministério Público do Estado Amazonas (MPAM), via Centro de Estudo e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), abre, nesta sexta-feira (26/07), as inscrições para um processo...

Justiça manda Banco indenizar cliente em R$ 5 mil por cobranças diversas do empréstimo pretendido

Em decisão monocrática, a Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), converteu um contrato de cartão de...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

MPAM abre inscrições para processo seletivo de estágio nesta sexta (26)

O Ministério Público do Estado Amazonas (MPAM), via Centro de Estudo e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), abre, nesta sexta-feira (26/07),...

Devedor não paga por juros e correção entre bloqueio judicial e transferência para conta do credor

Não cabe ao devedor arcar com o pagamento de juros e correção monetária no período entre o bloqueio judicial...

Justiça manda Banco indenizar cliente em R$ 5 mil por cobranças diversas do empréstimo pretendido

Em decisão monocrática, a Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), converteu...

Partido pede que STF impeça repatriação de crianças quando houver suspeita de violência doméstica

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que crianças que...