Suspeito de tráfico de drogas consegue absolvição por provas obtidas ilicitamente

Suspeito de tráfico de drogas consegue absolvição por provas obtidas ilicitamente

 

O sistema penal brasileiro não comporta que provas sejam obtidas por meios ilícitos e sustentem a condenação do acusado, nesses casos, se impõe a absolvição. A ilicitude das provas pode advir do ingresso irregular na casa do suspeito, ainda que depois se comprove que dentro do imóvel ocorra a prática de crime. Se o ingresso no domicílio for irregular, a acusação não se sustenta ante o fenômeno de que o crime se revelou por meios ilícitos de averiguação. Nesse compasso, o desembargador José Hamilton Saraiva dos Santos, anulou uma acusação de tráfico de drogas por concluir que o ingresso dos policiais não foi autorizado pelo morador. 

A 1ª Câmara Criminal do Amazonas manteve a absolvição de um acusado por tráfico de drogas por não admitir ser crível que o réu, após ser encontrado com um pote de entorpecentes, em local distante da sua residência, pudesse ter confessado, espontaneamente, que possuía mais drogas em casa, levando os policiais até ao local, tendo-lhes franqueado o ingresso na casa. 

Não ter franqueado o ingresso dos policiais na sua casa, tese sustentada pelo acusado de tráfico de drogas, é motivo que autoriza se concluir que, no que pese a gravidade do crime, as provas que serviram como base da denúncia do Promotor de Justiça não foram produzidas dentro dos padrões processuais exigidos. 

O acusado foi absolvido em primeira instâncias, mas o Ministério Público recorreu, pedindo que as provas fossem consideradas lícitas. Mas, a possibilidade de se afastar a dúvida a favor de um acusado, mesmo num caso de tráfico de drogas, deve conduzir à proclamação da inocência. É o brocado de que melhor se absolver um culpado do que se condenar um inocente. 

No processo se verificou que os policiais receberam a denúncia anônima contra o acusado, mas não realizaram campana e não iniciaram investigação, de modo que a apreensão dos entorpecentes ocorreu a partir de revista pessoal do acusado, sem justo motivo, a qual deu origem à posterior busca domiciliar ilegal, dada a ausência de indícios de flagrante delito. 

Na sentença recorrida, e mantida pelo Tribunal de Justiça, o juiz sentenciante explanou: “A partir do contexto fático delineado, a par da presumível boa-fé dos Policiais Militares, não se extraem dos autos elementos objetivos que justificassem a fundada suspeita imprescindível à realização de busca pessoal no acusado, razão pela qual as provas obtidas por meio da medida invasiva são ilícitas, assim como todas que delas decorreram e conduzem à absolvição do acusado”. 

Processo: 0000071-28.2020.8.04.3101

Leia o acórdão:

Apelação Criminal / Tráfico de Drogas e Condutas Afins. Relator(a): José Hamilton Saraiva dos Santos. Comarca: Boca do Acre. Comarca: Boca do Acre. Órgão julgador: Primeira Câmara Criminal. Data do julgamento: 07/02/2023. Data de publicação: 07/02/2023. PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/2006. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA COM ARRIMO NA ILICITUDE DAS PROVAS. IRRESIGNAÇÃO DO PARQUET. LICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM SEDE INQUISITORIAL, ULTERIORMENTE, RATIFICADAS EM JUÍZO. NÃO CONSTATADA. BUSCA PESSOAL. INGRESSO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. TEMA N.º 280 DE REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS N.º 158.580/BA. HABEAS CORPUS N.º 598.051/SP. ILEGALIDADE DAS DILIGÊNCIAS. CONFIRMADA. MANTENÇA DA SENTENÇA VERGASTADA. NECESSIDADE. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E DESPROVIDA. 1. Prima facie, o Parquet Estadual postula a reforma da sentença absolutória a fim de que seja reconhecida a licitude das provas acostadas ao Feito, pois as diligências policiais de busca pessoal, bem, como, de ingresso em domicílio se deram dentro dos limites legais, devendo ser afastado o princípio in dubio pro reo na hipótese, para condenar o Recorrido nas sanções capituladas no art. 33, caput, da Lei de Tóxicos. 2. Nesse espeque, o colendo Superior Tribunal de Justiça já assentou que a busca pessoal sem mandado judicial exige a existência de fundada suspeita, lastreada em juízo de probabilidade, aferido de modo objetivo e devidamente justificado pelos indícios e circunstâncias do caso concreto, de que o indivíduo esteja na posse de objeto ilícito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. Precedentes. 3. In casu, durante a Audiência de Instrução e Julgamento, os agentes estatais narraram que receberam uma denúncia anônima de que havia comércio ilícito de entorpecentes em bar local, oportunidade na qual encontraram o Réu sentado em mesa do estabelecimento ingerindo bebida alcoólica, momento no qual, sem qualquer diligência prévia, abordaram-no, diretamente, e procederam à revista pessoal, instante em que identificaram dinheiro em espécie, e, em mesa próxima ao Acusado, um pote contendo entorpecente. 4. Nesse cenário, meras informações de fonte não identificada (denúncia anônima), como na hipótese, carentes de fundada suspeita, demonstrável de maneira clara e concreta de que o Denunciado, de fato, estava no porte de ilícitos não autoriza, por si só, a busca pessoal do art. 244 da Lei Adjetiva Penal, além de que o fato de haverem sido encontrados entorpecentes na ocasião, igualmente, não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento da “fundada suspeita” seja aferido com base no que se tinha antes da diligência em questão. Precedentes. 5. Noutro giro, rememora-se que o excelso Supremo Tribunal Federal definiu em Tema n.º 280 de Repercussão Geral que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto que indiquem estar ocorrendo no interior da casa situação de flagrante delito. 6. Nesse elastério, a colenda Corte Superior de Justiça assentou que o Tráfico Ilícito de Entorpecentes, conquanto seja classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde, supostamente, encontra-se a droga, de forma que apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente, inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada. Além disso, o consentimento do morador para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa, assim, como, a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. Ainda, a mera apreensão de drogas com o Réu, em via pública, sobretudo em lugar distante de sua residência, não configura justa causa suficiente para o ingresso em domicílio. Precedentes. 7. No caso, os policiais declararam em sede de instrução processual que, após busca pessoal no Réu, este, espontaneamente, informou que havia mais ilícitos em sua residência, vindo, ulteriormente, a autorizar o ingresso dos agentes estatais em seu domicílio. Em sentido oposto, o Acusado declarou em sede judicial que, quando de sua prisão em flagrante, somente relevou que havia ilícitos em sua casa após ser coagido pelos agentes estatais, oportunidade na qual esses se deslocarem até sua residência, contudo, em momento algum franqueou-lhes a entrada no domicílio. 8. Nessa conjuntura, as peculiaridades do caso concreto não conferem verossimilhança à afirmação dos policiais de que o Réu, após ser encontrado com um pote de entorpecentes próximo de si, distante de onde situada a sua residência, haveria confessado, espontaneamente, possuir mais drogas em casa, levando, em seguida, os policiais até o logradouro e, ato contínuo, franqueado a entrada em seu domicílio. 9. Assim sendo, constata-se que a Ação Penal em questão se embasa unicamente em provas ilícitas, consistentes na ilegalidade da revista pessoal, bem, assim, do ingresso em domicílio efetuados, ensejando a mantença do decisum objurgado. 10. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E DESPROVIDA. 

 

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