Em sessão virtual ordinária de julgamento realizada no último dia 15 de junho, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (TRT/AL) manteve, por unanimidade, decisão de 1º grau que reconheceu a responsabilidade subsidiária do Ifood em uma ação ajuizada por um trabalhador que exercia a função de motoboy. O colegiado também acolheu o entendimento exposto na sentença e reconheceu o vínculo empregatício entre o reclamante e a empresa Telex Express, intermediadora de serviço.
O autor da ação afirmou ter laborado inicialmente vinculado à plataforma do Ifood como trabalhador na nuvem, mas logo depois passou a entregador de operador de logística (OL) intermediado pela Telex Express para trabalhar por escala, independentemente de ter ou não entregas. Segundo ele, se não logasse no aplicativo do Ifood, seria penalizado com desconto pelo horário, só podendo se conectar no próximo horário, bem como poderia ser substituído por outro trabalhador. Ele ainda declarou que não mantinha contato pessoal com o Ifood, sendo as penalidades aplicadas pelo proprietário da intermediadora.
Em sua defesa, o Ifood alegou não ter natureza de empresa de serviços de transporte, de alimentos ou de quaisquer outras mercadorias, pois realiza atividades econômicas que consistem na intermediação de negócios, por meio de agenciamento de serviços de restaurantes, e no desenvolvimento e licenciamento de programas de computador (softwares), no caso, a plataforma digital (aplicativo). Argumentou, ainda, que ficou evidenciada a ausência de relação jurídica no depoimento do reclamante, pois comprovou, nos autos, que o obreiro não atuava exclusivamente para ele, bem como provou que ele também trabalhava em um aplicativo de uma empresa concorrente.
O relator do processo, desembargador Pedro Inácio da Silva, ressaltou que as considerações apontadas pela juíza de 1º grau são inequívocas em também apontar para a existência de vínculo com o Ifood, seja em face da dependência econômica ou da subordinação estrutural às quais estava sujeito o reclamante. “Porém, o pedido do reclamante está limitado ao reconhecimento de vínculo com a Telex Express e reconhecimento da responsabilidade subsidiária do grupo empresarial responsável pela plataforma digital”, enfatizou.
Em seu voto, o desembargador Pedro Inácio ainda destacou algumas importantes considerações constantes na sentença. A sentença de 1º grau observou que estes trabalhadores, em tese, seriam de fato autônomos, desde que o algoritmo, que são os critérios de política da empresa, não faça punições (diminuição no número de corridas para aqueles que ligam pouco o aplicativo e recusam atendimento ou utilizam outras plataformas de entrega). Segundo a decisão, caso seja feito esse tipo de controle, a essência da autonomia estaria quebrada e teria que ser analisada cuidadosamente a interferência da plataforma digital na atividade dos entregadores.
Ainda de acordo com a sentença de 1º grau, o que ocorreu no caso concreto foi a terceirização das atividades fins do Ifood, uma vez que os operadores de logística possuem jornada pré-estabelecida, controle do trabalho e podem sofrer punições. Assim, em sua análise, esses fundamentos representam hipótese de subordinação estrutural, sendo os entregadores OL trabalhadores efetivos, havendo vínculo de emprego que deveria se reconhecer diretamente com a tomadora do serviço.
Na sentença recorrida ainda constou que, para resolver esse problema, o Ifood criou a figura do operador logístico e dos entregadores OL, ou seja, aqueles obreiros que trabalham vinculados a esse intermediador. A figura do operador logístico seria a de organizar os empregados em horários e possibilitar a existência suficiente de motoboys em momentos de pico para permitir que o serviço de entrega aconteça de forma contínua
Autônomo – O desembargador Pedro Inácio ponderou que a doutrina trabalhista e civil conceitua como autônomo o trabalhador que é dono no seu negócio ou que, no exercício de sua profissão – profissional liberal -, estabelece as regras do contrato e as condições em que oferece e presta o seu serviço, e o precifica. Ou seja, é ele quem fixa as balizas para prestar o serviço e o tomador a elas se submete, podendo até mesmo alterar a forma de fazê-lo, sem necessidade de dar satisfação ao tomador.
Nessa análise, o magistrado questionou: “O entregador de alimentos por plataformas tem essa liberdade? A resposta honesta e jurídica é não! Não é isso que se vê no caso dos autos, pois o reclamante não tinha qualquer autonomia para negociar preço, modo de fazer o serviço, escolha de clientes ou de opinar sobre qualquer tema do contrato. É forçoso reconhecer que, além das condições duríssimas de labor, trabalhava sem qualquer proteção social, sem margem para opinar até mesmo sobre a remuneração”.
O relator do processo também fundamentou sua decisão com base no entendimento de juristas de destaque em âmbitos nacional e internacional, bem como em decisões trabalhistas de vários países. Ele frisou que, mesmo com decisões de Cortes Superiores da França, Inglaterra, Espanha, entre outros, que reconheceram definitivamente o vínculo de emprego entre trabalhadores e empresas de plataformas, não se noticiou queda nas ações dessas companhias ou que elas deixaram aqueles países.
“Em um mundo de capitalismo competitivo, em que empresas constituídas através de plataformas têm recebido aportes de bilhões de dólares de investidores, se uma empresa abandona o negócio, outra ocupa seu lugar. O discurso economicista de que decisões jurídicas afetam empregos e investimentos é um engodo já verificado na reforma trabalhista de 2017, e sempre atende ao interesse da parte mais forte na relação capital e trabalho”, avaliou.
Ao reforçar seu entendimento sobre o reconhecimento do vínculo com a empresa intermediadora do serviço, o magistrado afirmou que ela também monitorava o reclamante, pois fazia as recomendações previstas nos termos de uso da plataforma, exigia que os trabalhadores permanecessem on-line, podendo punir os entregadores com suspensão ou desligamento da plataforma, operando muito mais como preposto. Quanto à rejeição do argumento do Ifood de que não havia vínculo empregatício porque o autor da ação também prestava serviço para aplicativo de um concorrente, o desembargador Pedro Inácio considerou que a exclusividade não é requisito para a caracterização de contrato de emprego.
“Essas decisões apenas ilustram que o trabalho prestado por aplicativos em plataformas digitais ganhou relevância mundial, e aos poucos a jurisprudência vem se firmando no sentido de que essas empresas não estão à margem das leis dos Estados Democráticos, dos princípios constitucionais que protegem os trabalhadores, como o da proteção, que no direito brasileiro desponta cintilante do art. 7º da Constituição, pontuou”.
Subsidiária – Por conta do reconhecimento de sua responsabilidade subsidiária na ação, o Ifood poderá ser cobrado judicialmente pelo pagamento das verbas contratuais e rescisórias, caso a Telex Express não arque com esse adimplemento.
Fonte: TRT/AL