O réu, com 19 anos de idade, conhecia a menina desde a infância, e manteve com a mesma relação sexual pouco antes que ela alcançasse a idade de 14 anos completos- aproximadamente 13 anos e 6 meses. A vítima, em juízo, mediante suporte de escuta profissional especializada, disse que em todas as oportunidades em que manteve relação sexual, incluindo aquelas quando ainda possuía 14 anos incompletos, assim agiu, após compreender o ato, de forma consensual, com anuência explícita, e de maneira consciente, ou seja, sem qualquer vício ou desequilíbrio de atuação volitiva- erro, dolo ou coação. Os fatos ocorreram em Belo Horizonte, Minas Gerais. Acusado por estupro de vulnerável, o réu foi absolvido em primeira instância, mantido absolvido no TJMG. Foi Relator o Desembargador Cata Preta.
O juiz, na primeira instância, considerou que não houve ofensa ao bem jurídico tutelado no artigo 217-A do Código Penal. Segundo a decisão, nos crimes de estupro de vulnerável, peculiaridades e circunstâncias específicas podem e devem afastar a simples subsunção da conduta narrada ao tipo penal incriminador, impedindo a incidência da orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.480.881/PI, e no enunciado sumular nº 593/STJ.
Segundo a Súmula 593 STJ, o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
Para o julgado, no entanto, seria a hipótese de um “distinguishing penal”. “Se de um lado, a proteção integral do adolescente deve persistir, de outro, as declarações conscientes, determinadas e livres de qualquer tipo de influência negativa, também são elementos relevantes para determinar se houve efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado”.
O distinguishing- a distinção- é a prática de não aplicar dado precedente vinculante por se reconhecer que a situação que se está julgando, de imediato, não se encarta nos parâmetros de incidência do precedente.
Apurou-se, no caso concreto que réu e vítima prosseguiram com a relação afetiva, embora de forma não estável, até o início de 2020 e essa relação vinha deste outubro de 2018. A mãe, embora tenha ficado à época inconformada com a notícia, relatou que a filha mantivera relação com o réu de forma consciente e não viciada.
Noutro turno, reconheceu-se que réu e vítima mantiveram uma relação sexual afetiva, embora não estável, que durou cerca de 18 meses, sendo a maior parte do tempo após ela ter completado 14 anos, ou seja, depois de superada a fase- definida objetivamente pelo legislador- da incapacidade legal para a prática sexual.
“O que se pode ver das provas colhidas é que havia entre o réu e a vítima, que era adolescente à época dos fatos, atração afetiva, tendo ambos mantido relação sexual pelo período em que estiveram juntos, o que é bastante- aliado aos demais elementos dos autos- para afastar qualquer sinal de perversão sexual ou exploração de vulnerável, firmou o julgado em segunda instância. Deu-se improvimento ao recurso de apelação do Ministério Público.
Processo nº 0005660-02.2019.8.13.0024 Belo Horizonte.