A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, nesta quarta-feira (7/6), por unanimidade, manter uma sentença da 4ª Vara Federal de Criciúma (SC) que negou a anulação de contratos administrativos decorrentes de licitações voltadas ao preparo, à manutenção e à transmissão de dados de urnas eletrônicas para as eleições a partir de 2014.
Com isso, também foi confirmada a condenação dos autores das cinco Ações Populares ao pagamento de dez vezes o valor das custas, por litigância de má-fé.
Processos
As ações foram movidas entre 2015 e 2016 por um grupo de 11 pessoas. Dentre os réus estavam os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral, e um servidor da Corte. Todos foram excluídos do feito por falta de legitimidade.
Os autores alegavam a ocorrência de uma série de irregularidades nas liciatações conduzidas pelo TSE. Segundo eles, os serviços contratados deveriam ser feitos pelo próprio tribunal ou por entidades da administração pública federal indireta.
Eles ainda argumentavam que a contratação não poderia ter sido feita por meio da modalidade de pregão eletrônico, usada para aquisição de bens e serviços comuns cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos em edital, por meio de especificações usuais no mercado. Também afirmavam que as empresas contratadas não haviam apresentado documentos relativos à qualificação técnica e financeira, por exemplo.
Por isso, pediam não só a anulação dos pregões, mas também o ressarcimento dos prejuízos causados à União, o pagamento de indenização por danos morais coletivos e, para as empresas rés, a proibição de contratar novamente com o poder público.
Licitação normal
Na sentença, proferida em 2019 e mantida pelo TRF-4, a juíza Louise Freiberger Bassan Hartmann considerou que o enquadramento das licitações na modalidade pregão eletrônico foi correta, pois os serviços contratados tinham “natureza comum e continuada”.
A magistrada se baseou nos conceitos trazidos pela Lei 10.520/2002, que instituiu a modalidade; e pelo Decreto 5.450/2005, vigente à época, que regulamentou o pregão como modalidade obrigatória para a aquisição de bens e serviços comuns, com preferência para a forma eletrônica.
Os autores chegaram a dizer que as licitações abrangiam o fornecimento de urnas ao TSE, mas o servidor réu desmentiu a alegação. A aquisição das urnas ocorre há mais de 20 anos via licitação na modalidade concorrência.
Louise também indicou que os serviços contratados não fazem parte das atribuições dos servidores públicos da Justiça Eleitoral, pois eles possuem as mesmas funções dos demais servidores do Judiciário da União.
Pedidos impossíveis
Quanto à qualificação técnica e financeira das licitações, a magistrada registrou que o Judiciário não deve intervir em questões técnicas da administração pública, “exceto em caso de reconhecida ilegalidade”, pois não tem expertise para analisar os critérios adotados.
Com relação ao pedido de indenização, a juíza lembrou que só pode ser feito em Ação Civil Pública. Já a proibição de novos contratos das empresas com a administração pública é restrita a Ações de Improbidade Administrativa. A Ação Popular pode ser usada somente para “anulação de ato lesivo”, “condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos” e “restituição de bens e valores indevidamente obtidos”.
Já sobre o ressarcimento, Louise observou que a petição inicial não mencionou qualquer diminuição do patrimônio público ou falta de pagamento por serviço prestado.
Réus aleatórios
“O próprios autores não tinham certeza quanto a quem demandar”, apontou a magistrada. Segundo ela, as ações não apontaram atos específicos ou omissões praticados pelo servidor e pelos ministros réus, nem fizeram referência a eventual dolo ou culpa.
Uma das licitações já estava concluída quando Toffoli assumiu a Presidência do TSE, em maio de 2014. Além disso, os procedimentos tiveram início na gestão de Ricardo Lewandowski (de 2010 a 2012), e não de Cármen, que foi presidente da Corte entre 2012 e 2013.
O servidor em questão foi representado pelos advogados Walter José Faiad de Moura e Fernanda Saback Gurgel.
Teoria da conspiração
Os autores alegaram que diversas reportagens “sérias e alarmantes” haviam chamado a atenção para uma suposta estratégia criminosa para fraudar o sistema eleitoral e perpetuar o governo da então presidente Dilmar Rousseff (PT) no poder.
Louise notou que as “matérias jornalísticas” se resumiam a dois textos: um do guru bolsonarista e autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho; e outro de um autor “sobre o qual nada se sabe, mormente se é jornalista”.
Ainda conforme as ações, uma das empresas teria praticado uma série de fraudes eleitorais em vários países, como Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, EUA e Filipinas.
De acordo com a juíza, tais alegações “são desprovidas de fundamentos, baseadas que são nas famigeradas fake news”. Ela citou trecho da manifestação do Ministério Público Federal, segundo o qual “teorias conspiratórias, documentos e boatos oriundos de internet não são hábeis e suficientes para demonstrar ilegalidade praticadas e, no presente caso, sequer permitem estabelecer linha de investigação útil”.
Má-fé
Na visão da magistrada, os autores “procederam de modo temerário”, pois “não diligenciaram de forma devida antes do ajuizamento da ação” — não verificaram, por exemplo, que o fornecimento de urnas ao TSE não foi objeto dos pregões. Em suas manifestações, muitos dos réus também “deduziram pretensão contra fatos incontroversos” e “alteraram a verdade dos fatos”.
Para Louise, o Judiciário “deve repelir tentativas de sua instrumentalização, como a que é levada a efeito quando se propõe um ‘tsunami jurídico’, com a disponibilização de modelo de inicial em redes sociais para ajuizamento de ações absolutamente idênticas em diversas subseções judiciárias do país”, além de “rechaçar seu uso para aventuras jurídicas sensacionalistas e midiáticas”.
Ela ressaltou que, “por meio de alegações desprovidas de qualquer fonte idônea, os autores colocaram em xeque a Justiça Eleitoral — e, portanto, o próprio processo eleitoral e a democracia brasileira”.
Processo 5004277-19.2015.4.04.7204
Processo 5009442-47.2015.4.04.7204
Processo 5008691-60.2015.4.04.7204
Processo 5006283-62.2016.4.04.7204
Processo 5005352-59.2016.4.04.7204
Com informações do Conjur