O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, em julgamento realizado nesta quarta-feira (25), que a liberdade religiosa de uma pessoa pode justificar o custeio de tratamentos de saúde diferenciados pelo poder público.
Por unanimidade, o Plenário decidiu que Testemunhas de Jeová, adultas e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, sendo o Estado obrigado a oferecer tratamentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que seja necessário encaminhamento para outra localidade.
O julgamento envolveu os Recursos Extraordinários (REs) 979742 e 1212272, de relatoria dos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente. Na decisão, o STF reforçou a compatibilização entre a liberdade religiosa e os direitos constitucionais à vida e à saúde.
Segundo o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, o entendimento reafirma a proteção estatal aos ritos e dogmas religiosos, sem imposição de tratamentos que contrariem as convicções pessoais dos pacientes.
Direito à Recusa e Obrigações do Estado
O STF firmou que, para Testemunhas de Jeová maiores de idade e capazes, a recusa a transfusões de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa, deve ser respeitada pelo poder público. Em tais casos, o Estado é responsável por fornecer tratamentos alternativos, desde que disponíveis no SUS, podendo, inclusive, custear tratamentos fora do domicílio do paciente.
No entanto, a decisão ressalta que a escolha pelo tratamento alternativo deve ser feita de forma livre, consciente e informada sobre os riscos e consequências. Já em situações envolvendo crianças e adolescentes, o STF destacou que prevalece o princípio do melhor interesse da saúde e da vida, o que significa que a liberdade religiosa dos pais não pode justificar a recusa de tratamento médico necessário para filhos menores.
Casos Julgados
O RE 979742 tratou de uma condenação imposta à União, ao Estado do Amazonas e ao Município de Manaus para custear uma cirurgia de artroplastia total em outro estado para uma paciente que se recusou a receber transfusões de sangue. O STF decidiu que o procedimento, sem uso de sangue, deveria ser disponibilizado em respeito à autonomia da paciente e ao seu direito à saúde.
Já o RE 1212272 envolveu uma paciente que se recusou a assinar um termo de consentimento para receber transfusões sanguíneas em uma cirurgia de substituição de válvula aórtica. O STF reafirmou o direito da paciente de optar por não receber o tratamento que envolva sangue, desde que haja viabilidade técnica e consentimento da equipe médica.
Teses Fixadas
As teses de repercussão geral fixadas pelo STF nos dois recursos foram as seguintes:
RE 979742:
Testemunhas de Jeová, adultas e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na liberdade religiosa e na autonomia individual.
O Estado deve oferecer procedimentos alternativos disponíveis no SUS e, se necessário, providenciar tratamento fora do domicílio.
RE 1212272:
Pacientes plenamente capazes podem se recusar a tratamentos médicos por motivos religiosos, desde que a decisão seja inequívoca, livre e informada.
É possível a realização de procedimento médico sem transfusão sanguínea, desde que tecnicamente viável, com consentimento da equipe médica e decisão livre e esclarecida do paciente.
A decisão tem repercussão geral, o que significa que seu entendimento será aplicado em todos os casos semelhantes nas demais instâncias judiciais do país, estabelecendo um importante precedente sobre a relação entre liberdade religiosa e tratamentos médicos no Brasil.