Chacina Candelária: TV Globo deve indenizar em R$50mil por exposição de inocente em programa

Chacina Candelária: TV Globo deve indenizar em R$50mil por exposição de inocente em programa

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratificou decisão de 2013 que manteve a condenação da TV Globo a indenizar em R$ 50 mil, por ofensa à dignidade, um serralheiro que teve nome e imagem expostos em documentário sobre a Chacina da Candelária apresentado no programa Linha Direta – Justiça, em 2006.

O episódio, que ficou conhecido mundialmente, ocorreu em 1993, próximo à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, e resultou na morte de oito jovens moradores de rua. O serralheiro, que figurou entre os acusados pela tragédia, foi absolvido no tribunal do júri em decisão unânime.

No julgamento de 2013, o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu ao serralheiro o direito ao esquecimento, diante do longo tempo transcorrido e da decisão do conselho de sentença.

“Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado”, afirmou Salomão no voto proferido em 2013.

Direito ao esquecimento e direito de informar

A Globo interpôs recurso extraordinário, mas o processo ficou sobrestado, aguardando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em um julgamento que também envolvia o direito ao esquecimento: o caso Aída Curi (RE 1.010.606, Tema 786 da repercussão geral). Nele, o STF definiu que não há direito ao esquecimento capaz de impedir a divulgação de fatos antigos, mas ressalvou a possibilidade de punição de abusos da liberdade de informação.

Em agosto, a Quarta Turma voltou a analisar o recurso sobre a Chacina da Candelária para verificar a necessidade de, eventualmente, ajustar sua posição ao entendimento do STF, mas o rejulgamento do caso foi interrompido por pedido de vista do ministro Raul Araújo.

De acordo com a emissora, a situação do processo se amoldaria à tese do STF, segundo a qual “é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social”.

Revolvimento dos fatos e ofensa à dignidade do inocentado

O ministro Salomão chamou atenção para a falta de contemporaneidade dos fatos noticiados no programa – o qual, segundo o autor da ação, trouxe à tona dramas já administrados e resolvidos – e disse que a divulgação reacendeu um “juízo social impiedoso” quanto ao seu caráter, circunstância que lhe causou profundo abalo emocional.

“Permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida ‘vergonha’ nacional à parte”, declarou o relator.

Ele destacou que o julgamento da Quarta Turma está em completa harmonia com a decisão do STF, pois não guarda relação com a primeira parte do Tema 786 – em que se fala do direito ao esquecimento –, mas com a segunda parte, na qual ficou estabelecido que “eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

“Constatou-se exatamente a situação abusiva referida pelo Supremo, situação para a qual aquele tribunal determinou: em sendo constatado o excesso na divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais, proceda-se o julgador competente ao estancamento da violação, a partir das legítimas formas previstas pelo ordenamento”.

Situações definidas no Tema 786/STF

Para o ministro, são duas situações diferentes definidas no Tema 786: em uma, há apenas o descontentamento com a informação que não é conveniente à pessoa, e nesse caso o direito à informação e a liberdade de imprensa preponderam em relação à intimidade, à imagem e à vida privada; na outra, há o exercício irresponsável e abusivo dos direitos de informação, de expressão e de liberdade de imprensa, diante do qual o controle judicial deverá ser imperativo, sempre considerando as peculiaridades de cada caso.

“Os pressupostos que alicerçaram o entendimento do STF são absolutamente coincidentes com aqueles nos quais se estruturou a decisão tomada no recurso especial aqui decidido, justificando-se a confirmação do julgado proferido por este colegiado”, concluiu Salomão.

Fonte: STJ

Leia mais

STF valida cadastros de pedófilos e condenados por violência contra a mulher em Mato Grosso

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, validou o cadastro estadual de pedófilos e a lista de pessoas condenadas por crime de...

1.ª Vara de Iranduba divulga edital para cadastro de advogados dativos

A 1.ª Vara da Comarca de Iranduba divulgou Edital de Chamamento Público de Advogados Dativos para atuarem em defesa de partes beneficiadas pela concessão...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Justiça afasta culpa concorrente de trabalhador morto após cair de viaduto durante serviço

A 9ª Turma do TRT da 2º Região reconheceu responsabilidade subjetiva exclusiva de empregadores em  acidente de trabalhador que...

Certidão da OAB, por si só, não comprova atividade jurídica para fins de concurso

Apresentar certidão expedida pela OAB para comprovar a existência de inscrição de profissional na entidade não é prova do...

Ainda que irregular o reconhecimento pessoal, é possível condenação do réu se houver outras provas

Conquanto o ato de reconhecimento pessoal do suspeito do crime não tenha sido regular, com desobediência à formula descrita...

STJ ajusta indenização por morte na tragédia de Brumadinho a valores fixados em TAC

Considerando os valores definidos no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a mineradora Vale S/A, a Defensoria...